"Não vá tão gentilmente nessa boa noite escura/ Raiva, raiva contra a morte da luz que fulgura", termina o poema de Dylan Thomas. Partindo da raiva contra a morte – de entes queridos, da própria inocência, da luta contra a fome –, a sul-africana Futhi Ntshingila faz, em Sem gentileza, um retrato cru das mulheres que não têm escolha a não ser resistir.
Deflorada pelo pastor de uma igreja itinerante e grávida aos 14 anos, Mvelo assiste à mãe, Zola, definhar, vítima da aids. Futhi narra as alternativas dolorosamente práticas tomadas por sua protagonista para sobreviver sem sujeitar a filha ao sofrimento da vida na favela em Durban.
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A comparação com a narrativa de Chimamanda Ngozi Adichie, tanto na temática quanto na forma, é inevitável – mas os personagens de Futhi vivem em um estrato mais baixo. Enquanto as protagonistas de Chimamanda buscam a redenção pela educação, a Mvelo de Sem gentileza precisa lidar com uma realidade mais dura. Os preconceitos são muitos, as crendices também – não são poucas as citações a bruxarias e feiticeiras – e o apoio vem da comunidade da favela, não de uma estrutura familiar mais rígida.
Futhi é esclarecedora ao mostrar a seu leitor a cultura zulu, algo desconhecido ao leitor pouco acostumado às vozes negras africanas na literatura – e à marginalização da população de pele mais escura anos após o apartheid. E, se o panorama para as personagens é desesperador e a realidade para quem lê, incômoda, consegue conduzir a história a um final não exatamente feliz, mas reconfortante, e – como diz o título – sem (nenhuma) gentileza.
SEM GENTILEZA
Futhi Ntshingila
Dublinense, 160 páginas, R$ 35,90