Marcílio França Castro é um escritor conciliador. Em Histórias naturais, explora temas inusitados em tramas curtas (ou curtíssimas), aliando literatura formalmente inventiva com um estilo pujante, capaz de seduzir o leitor logo nas primeiras páginas e fazê-lo seguir adiante – mesmo quando não se entende muito bem para onde está indo.
O livro do escritor mineiro é dividido em duas partes. A primeira, Coleção de papéis, agrupa os seis textos mais longos do volume, sendo seguida por Histórias naturais, com 25 narrativas menores. Não são propriamente contos, mas "ficções", como está grafado logo na capa. Castro explica a opção pelo termo:
– O que me interessa é fazer ficção não amarrada a gêneros pré-determinados. Uma das melhores coisas da literatura atual é essa liberdade. Uma pergunta impressa no papel pode ser uma ficção. Além disso, o modo como essas narrativas se relacionam também ajuda a dar sentido a elas. Ao final da leitura, todas juntas formam uma narrativa diferente, maior.
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A proposta, que aproxima o autor de escritores contemporâneos como a americana Lydia Davis e o português Gonçalo M. Tavares, não é percebida logo de cara pelo leitor. Os primeiros textos parecem contos tradicionais, encerrados em si. Um exemplo é
Assim como na primeira narrativa, em que um datilógrafo serve como fio condutor para falar de literatura, nas páginas seguintes outros personagens oferecem pontos de vista inusitados para ficções sobre outros ofícios. É o caso de um assistente de ator no conto sobre o mundo do teatro; e de um fotógrafo, para uma curiosa trama sobre cartografia.
Na segunda parte do livro, a dos textos mais curtos, o recurso de escrever sobre diferentes temas a partir de perspectivas incomuns fica mais aparente, devido a sua repetição mais constante.
– Chamo isso de realismo oblíquo. Você tem sempre um ponto de vista que é improvável, que desloca o objeto, gerando uma narrativa também improvável, mas não menos realista – explica o autor.
Histórias naturais é o terceiro livro de Marcílio França Castro, depois de Breve cartografia de lugares sem nenhum interesse (2011, ganhador do Prêmio Clarice Lispector, da Fundação Biblioteca Nacional) e A casa dos outros (2009). Trata-se de uma literatura feita com inquietação para ir além dos padrões, mas com capacidade para seduzir até mesmo os leitores mais tradicionais.