Não há tabus para Marília Gabriela e Theodoro Cochrane. Mãe e filho comprovam isso em A Última Entrevista de Marília Gabriela, espetáculo que chega a Porto Alegre para curta temporada no Theatro São Pedro.
As cinco apresentações ocorrerão desta sexta-feira (6) a domingo (8) (veja informações sobre horários e ingressos ao final do texto).
Na montagem, que simula um programa de entrevista aos moldes do clássico De Frente com Gabi, os dois escancaram as dores e as delícias de serem quem são e de estarem unidos pelo laço irrompível da maternidade.
Há, contudo, uma inversão de papéis fundamental. Marília Gabriela, a grande entrevistadora brasileira, perde o poder da pergunta e passa a ocupar a posição por vezes desconfortável de quem responde. E dá suas respostas a ninguém menos que o filho caçula, representante de uma classe que parece estar fadada a sempre se explicar, não a fazer questionamentos.
Sinceridade impera
Em cena, os dois falam, sim, do amor que reciprocamente sentem, mas não escondem os problemas da relação, tampouco se poupam de dizer o que mais detestam um no outro.
Trata-se de uma autoficção: a maior parte dos problemas abordados em cena são reais, assim como os personagens são Marília Gabriela e Theodoro Cochrane, mas há doses de invenção e exagero dramático. Ainda assim, a sinceridade é o que impera.
— É uma relação que fica exposta, que realmente tem as suas entranhas colocadas para fora. Não tivemos o menor pudor, tudo está colocado ali. Muitas vezes, com as delicadezas e os exageros de um espetáculo, mas sempre com honestidade — afirma Marília, que detalha os bastidores da criação da peça:
— Em alguns ensaios, eu tinha que dizer coisas tão terríveis para ele que eu parava e falava: "Chega! Não vou fazer isso, não tem como". Saí três vezes chorando dos ensaios, porque não queria dizer aquilo para o meu filho, era um desconforto brutal. Só voltei a ensaiar porque ele me ameaçou. Disse: "Mãe, se você não vai fazer, eu vou arrumar alguém que faça". Aí eu não quis (risos).
Desejo das pessoas pela fofoca
O texto é assinado pela atriz e dramaturga Michelle Ferreira, que se debruçou sobre entrevistas já protagonizadas por Marília e Theodoro e entrevistou ela própria os dois, tanto em conjunto quanto individualmente.
Nem mesmo os pontos mais cabeludos da linha do tempo da mãe e do filho escapam ao roteiro da peça, que tem direção de Bruno Guida.
— Tratamos de assuntos sobre os quais não aguentamos mais falar, que já encheram o nosso saco — comenta Theodoro. — No primeiro momento, veio à cabeça: "Vamos ter que falar de novo de Madonna? Falar de novo do Gianecchini? Que pobreza de conteúdo". Mas são coisas que fazem parte da nossa história. E as pessoas realmente vão a delírio nesses momentos, porque há aquela crueldade humana, aquele desejo pela fofoca, por saber o que é verdade e o que não é. Até isso o espetáculo contempla — detalha.
Conforme o ator, A Última Entrevista de Marília Gabriela é uma montagem contemporânea e de espírito dinâmico, que mistura diferentes linguagens e, por vezes, imbrica até mesmo as identidades retratadas em cena. Já o humor irônico, que marca a personalidade dele e a da mãe, é o que Theodoro considera o trunfo do espetáculo.
— É uma peça muito de acordo com o TDAH (transtorno do déficit de atenção com hiperatividade) generalizado que todos temos, pois passa pela comédia, pela tragédia, pelo musical, pelo vídeo, pela participação do púbico, pela quebra da quarta parede... A plateia não tem tempo de cansar, porque recebe muitos estímulos diferentes. E ao mesmo tempo em que tudo parece pesado e cruel, há o requinte da ironia. Acho que o nosso grande mérito é conseguir usar esse humor e essa ironia para tratar de questões que são muito doídas.
Culpa materna
Entre as dores retratadas em cena está a que deu origem à peça, cujo insight inicial partiu de Marília Gabriela. Reconhecida pela carreira como jornalista e apresentadora, mas também pelo trabalho como atriz, ela revela ter passado anos de sua vida convivendo com uma "culpa materna" por sentir que o seu sucesso pessoal acabava por ofuscar o dos filhos (Theodoro, que é ator, figurinista e apresentador, e Cristiano, ator e jornalista).
Para Marília, estar ao palco ao lado do caçula era, além de uma experiência que valia a pena ser vivida, uma forma de devolver a ele os holofotes:
— Theodoro é formado em arte dramática, eu não. Fiquei famosa por outras razões e acabei sendo convidada para fazer novelas, para atuar em espetáculos. Eu carregava uma culpa por ter roubado um pouco, ou bastante, a cena do meu filho. Escondi isso durante anos, fui vivendo a minha vida, fazendo a minha carreira, enquanto o Theodoro lidava com o fardo de ser meu filho. É uma questão que já está mais do que resolvida em mim, mas eu acho que me senti no dever e na vontade de devolver simbolicamente o palco para ele. E ele está magnífico, realmente maravilhoso.
O elogio não é um "corujismo" de mãe. As atuações de Theodoro e Marília vêm sendo aclamadas pela crítica, que ressalta o sucesso das temporadas realizadas por eles em São Paulo e no Rio de Janeiro.
Identificação com os gaúchos
Agora, os dois desembarcam com a montagem em Porto Alegre, abrigo de uma das plateias mais desejadas pelos dois.
— Já não tenho mais muita paciência para viajar, mas quando falaram que era para uma temporada no Rio Grande do Sul, em Porto Alegre, no Theatro São Pedro, eu gritei: "Quero!" — diverte-se Marília.
Theodoro completa:
— Me identifico muito com o conceito do gaúcho "faca na bota". Passo a vinda inteira tendo que me desculpar por parecer grosseiro, mas é só o meu jeito direto e honesto de ser. A minha mãe tem isso, eu ainda mais, e o povo gaúcho ainda mais (risos). Acho que a plateia vai se identificar muito com o espetáculo, porque ele também tem essa honestidade.
A Última Entrevista de Marília Gabriela
- Nesta sexta (6), às 20h; sábado (7), às 17h e 20h; e domingo (8), às 15h e 18h.
- Theatro São Pedro (Praça Marechal Deodoro, s/n), em Porto Alegre.
- Ingressos inteiros a partir de R$ 50, disponíveis no site do Theatro São Pedro. Também é possível comprar diretamente na bilheteria do local, duas horas antes do início dos espetáculos.