A 31ª edição do Porto Alegre em Cena estava praticamente pronta quando a água da enchente de maio começou a invadir as ruas da Capital. O planejamento dava conta de uma temporada grandiosa, com número elevado de espetáculos internacionais e o retorno do festival ao seu mês tradicional, setembro — as duas últimas edições foram realizadas em etapas que ocorriam em meses distintos do ano. Mas a chuva não ligou para os planos, e em poucos dias artistas viraram flagelados, palcos foram tomados pela inundação e importantes companhias artísticas da cidade tiveram seus espaços encharcados.
O Porto Alegre em Cena que começa nesta sexta-feira (22), com dois meses de atraso, é totalmente atravessado pela tragédia climática que castigou o Rio Grande do Sul. Tem reformulações que vão muito além da data, mas não perde em nada quanto à grandiosidade prevista inicialmente. A 31ª edição se estenderá até o dia 1º de dezembro e terá mais de 70 espetáculos de teatro, dança e circo, e mais de uma dezena de atividades paralelas, entre exposições, leituras dramáticas, oficinas e intervenções.
Não haverá montagens nacionais ou internacionais. Pela primeira vez na história do festival, a programação será inteiramente gaúcha. A decisão foi encabeçada pelo coordenador-geral da edição, Luciano Alabarse, e abraçada pela equipe que assina a curadoria, que entendeu a urgência de destacar o trabalho artístico produzido no Rio Grande do Sul neste momento de reconstrução.
— Não teria sentido fazermos esforços logísticos para viabilizar atrações de fora enquanto os grupos locais estão pedindo socorro. Botamos tudo abaixo, mudamos todos os planos e chegamos a uma edição inédita, histórica e que nos enche de orgulho, pois reúne espetáculos muito potentes, que ficam ombro a ombro com as produções nacionais e internacionais — diz Alabarse.
A curadoria da programação foi feita a partir de inscrições abertas aos artistas e companhias locais. Foram mais de 300 projetos inscritos para participar da edição, o que indica a pertinência da decisão tomada pela equipe do festival. Entre as obras selecionadas, Alabarse destaca a presença de espetáculos inéditos e montagens já consagradas no teatro gaúcho.
A dica do coordenador é para que o público consulte o catálogo do festival (disponível aqui) e mergulhe na programação como quem vai a um restaurante novo e deseja provar todos os pratos disponíveis no cardápio. Neste caso, a gula não é pecado. Há produções situadas em gêneros diversos e capazes de agradar qualquer perfil de espectador, prontas para serem devoradas sem moderação.
Jeferson Tenório e Eliane Marques no palco
Os temas abordados também se diferenciam, mas é simbólico que o espetáculo escolhido para marcar a abertura da edição tenha a enchente como questão principal. Pai Guaíba, que será apresentado no Theatro São Pedro nesta sexta, às 20h, tematiza a relação da cidade com o lago através de músicas, poemas e narrativas audiovisuais.
— Entendemos a arte como algo que ajuda a interpretar a realidade social e refletir sobre as questões contemporâneas. Esse espetáculo passa por temas que são duros, mas faz isso de forma poética. É um show com suingue, balanço, dança das cadeiras, ainda que traga uma proposta reflexiva muito forte — explica Richard Serraria, que assina a direção artística de Pai Guaíba.
O espetáculo levará ao palco músicos da banda Bataclã FC, da qual Serraria é integrante, e contará com a participação especial dos escritores Jeferson Tenório e Eliane Marques, do poeta slammer Bruno Negrão e da musicista Paola Kirst. Os ingressos estão à venda na plataforma Sympla, onde é possível adquirir entradas também para os demais espetáculos do 31º Porto Alegre em Cena.
A programação do festival conta, ainda, com montagens e atividades gratuitas. Entre elas está uma exposição que celebra a trajetória da bailarina, coreógrafa e professora da UFRGS Carla Vendramin, que faleceu em janeiro deste ano, aos 51 anos, vítima de um incêndio doméstico. Ela é a artista homenageada desta edição do Em Cena e terá também performances e uma série de oficinas dedicadas ao seu legado artístico. Já a mostra ficará em cartaz no Goethe-Institut de segunda a sábado, das 10h às 21h, até o dia 30 de novembro.
Leitura de peças de Zanotta vai durar oito horas
A edição terá homenagem também a outro artista de destaque da cena gaúcha: o dramaturgo, contista e romancista Julio Zanotta, que faleceu nesta terça-feira (19), aos 74 anos, vítima de um câncer. No dia 29, às 19h, um evento na Casa Baka promoverá oito horas de leituras dramáticas de seus textos. A atividade será comandada pela Cia. Espaço em Branco e contará com a participação de convidados especiais.
Alabarse destaca que o evento já integrava a programação do Em Cena antes do falecimento de Zanotta. O desejo era prestar uma homenagem em vida ao dramaturgo.
— Foi uma notícia avassaladora, mas a vida nos prega essas surpresas. Faremos a homenagem não da forma como gostaríamos, mas igualmente bela. Queremos que o Em Cena seja exatamente isso: um veículo de alento, de esperança e de arte em meio às tragédias do nosso cotidiano.
31º Porto Alegre em Cena
- Desta sexta-feira (22) a 1º de dezembro em diferentes espaços da Capital. A programação completa pode ser conferida no site portoalegreemcena.com.
- Os ingressos custam R$ 40 e podem ser adquiridos na plataforma Sympla ou no térreo da Casa de Cultura Mario Quintana (Rua dos Andradas, 736), de terça a domingo, das 12h às 20h.
- Também haverá atrações gratuitas.