Obra fundamental da literatura ocidental, a Ilíada, de Homero, terá dois de seus 24 cantos apresentados em Porto Alegre na noite desta quinta-feira (31), a partir das 21h, no Teatro do Bourbon Country (veja detalhes sobre ingressos ao final do texto). A montagem, que reúne os cantos 1 e 20 do poema épico sobre o ano final da Guerra de Troia, conta com interpretações dos atores Daniel Dantas e Leticia Sabatella, e direção de Octavio Camargo, idealizador da Cia. Ilíadahomero.
A companhia foi fundada por Camargo em 1999, em Curitiba. Desde então, dedica-se a montar a Ilíada e a Odisseia, outra obra célebre de Homero, em diferentes formatos, seja por meio de récitas que reúnem somente algumas partes dos extensos poemas — como é o caso da Ilíada que será apresentada na Capital —, seja de forma integral, em enérgicos espetáculos que percorrem, em sequência, todos os 24 cantos das obras.
Uma das principais características do grupo é o uso das traduções em verso feitas pelo jornalista e político maranhense Manoel Odorico Mendes em meados do século 19. No caso da Ilíada, a versão de Mendes é conhecida pelo tom humorístico e, sobretudo, pela liberdade na tradução, recheada de neologismos que tanto confundem quanto encantam o espectador.
Para Daniel Dantas e Leticia Sabatella, a linguagem é o maior trunfo desta montagem da Ilíada, obra que já foi adaptada inúmeras vezes através dos séculos, além de ter inspirado diferentes tipos de produções.
— O que a gente está fazendo é democratizar a poética do Odorico Mendes. Eu acho que o grande diferencial desse espetáculo é utilizar a tradução dele, que é a mais difícil, mas também a mais bela — reflete Sabatella. — O Odorico criou muitas palavras e, justamente por isso, foi muito criticado. Era algo muito moderno para a época, ele foi precursor dessa liberdade poética que depois veio a inspirar nomes como Guimarães Rosa.
— Antes de começar, a gente faz uma explanação para a plateia no sentido de explicar alguns pontos da tradução, que sabemos ser difícil, mas também para avisar que talvez nem tudo seja compreendido — diz Dantas. — Isso desperta na plateia a possibilidade de não ficar presa na decifração exata do texto, pois entendemos que a decifração é também criação. Então, é um pouco como se a gente estimulasse o público a criar junto com a gente, pois mesmo que não se entenda palavra por palavra, é possível construir a própria imagem do que está sendo apresentado.
Na récita que chega à Capital nesta quinta, Dantas interpreta o canto 1 da Ilíada, enquanto Sabatella representa o canto 20. Os dois não chegam a contracenar, pois cada um apresenta sua parte individualmente, interpretando todos os personagens que a integram no formato de monólogo. E não há nenhuma explicação mirabolante para a união dos dois cantos em uma mesma montagem. Sabatella já interpretava o canto 20 pela Cia. Ilíadahomero, e Dantas entrou tempo depois para fazer o 1, que estava vago. Os dois formam um casal fora dos palcos e resolveram cumprir temporada unindo seus números — é a primeira vez que estendem a relação ao campo profissional.
Dantas define o resultado da junção como "uma daquelas escolhas que o Deus do teatro faz para você". Isso porque os cantos interpretados por ele e Sabatella são opostos perfeitamente complementares, embora a constatação disso tenha vindo somente mais tarde para os dois atores.
O canto 1, de Dantas, aborda a nascente do conflito interno que abalou os gregos no último ano da Guerra de Troia. Nele, o jovem herói Aquiles, filho do rei da Tessália, retira-se da batalha após se desentender com Agamenon, chefe do exército grego. Com narrativa mais calma, porém mais extensa (se comparado ao canto de número 20), o trecho serve como um mecanismo de contextualização dos 10 anos de duração da Guerra de Troia e dos personagens envolvidos no conflito, que serão aprofundados nos cantos seguintes da Ilíada.
Já o canto 20, de Sabatella, aborda o retorno de Aquiles para a Guerra de Troia. Mais curto, mas muito mais violento que o canto de número 1, o trecho é embalado pela ira e pelo desejo de vingança do herói grego. Tomado pela raiva, Aquiles decide passar por cima de suas diferenças com Agamenon e volta ao campo de batalha para vingar a morte de Pátroclo, seu amigo mais próximo que é morto pelo príncipe Heitor, filho do rei de Troia, Príamo, e chefe do exército troiano.
— O Daniel faz o canto dele de uma forma completamente diferente da que faço o meu, o Aquiles dele é diferente do meu. Acho bacana que as pessoas possam assistir ao Daniel interpretando do jeito dele e à Letícia interpretando do jeito dela — diz Sabatella. — A diferença entre os nossos cantos traz uma quebra de que gosto muito: o número dele vai no sentido de uma apresentação, enquanto o meu é pancadaria e violência. Quando vão ao espetáculo, as pessoas esperam encontrar o contrário — reflete a atriz.
Dantas compara o trabalho a uma "onda gigante", mas aposta que o público gaúcho saberá surfar em sua crista:
— Eu brinco sempre que a Ilíada pela tradução do Odorico Mendes é como uma daquelas ondas gigantes: quando você olha para ela de frente, é apavorante; mas se você consegue surfá-la, tem onda à beça ali, é o maior barato. E como a gente tem um prazer enorme em fazer esse espetáculo, isso acaba também contaminando a plateia.
"Ilíada", de Homero, com Daniel Dantas e Leticia Sabatella
- Nesta quinta-feira (31), às 21h, no Teatro do Bourbon Country (Av. Túlio de Rose, 80), em Porto Alegre
- Ingressos a partir de R$ 100, à venda pelo site uhuu.com (com taxa) ou na bilheteria do teatro (sem taxa)