Quando começou, ninguém dava nada por ele. Acharam até que fosse frescura, capricho de adolescente — afinal, eles estão sempre inventando coisas. Inventaram tão bem que, neste 2022, ele completou 20 anos de existência, consolidado como um dos mais tradicionais espetáculos do teatro gaúcho, fundamental na formação de uma geração de apreciadores do gênero. Trata-se de Adolescer, que realiza neste domingo (11), às 18h, única apresentação no Teatro CIEE (Rua Dom Pedro II, 861), em Porto Alegre (veja detalhes ao final do texto).
Mas apesar do sucesso, não é nem de longe ofensivo chamá-lo ainda hoje de "invenção de adolescente". Quem garante é a diretora e dramaturga do espetáculo, Vanja Ca Michel. Tudo começou quando ela, na virada dos anos 1980 para os 90, conciliando a carreira nos palcos com a de professora de Educação Infantil em uma escola de Porto Alegre, foi desafiada a deixar o ensino dos pequenos para lecionar Teatro às turmas adolescentes. Aceitou o desafio com mais sorte do que juízo, pois nunca havia trabalhado com a faixa etária.
Fácil não foi, lembra Vanja, mas daí nasceu aquela que 20 anos depois seria a sua mais renomada montagem. E também a menina de seus olhos, responsável por fazer embargar sua voz diversas vezes ao conversar com a reportagem.
— Meu primeiro ano como professora de Teatro foi horrível. Eles faziam até abaixo-assinado para eu sair (risos) — conta Vanja, que costumava apostar em montagens tradicionais, até que levou um ultimato dos alunos. — Um dia, eles pediram para que eu largasse os autores clássicos e disseram: "Professora, a gente quer montar uma peça que fale da gente, que nos represente. Temos muita coisa para dizer, mas ninguém quer nos escutar".
Foi exercitando a escuta que ela escreveu o primeiro texto da peça, encenada pelos próprios estudantes. Primeiro, chamava-se Terra de Ninguém, em alusão ao senso comum de que adolescência é sinônimo de desordem; depois, assumiu o título Aborrecentes?, tensionando o apelido pouco carinhoso atribuído à faixa etária; e por fim virou Adolescer, quando um grupo de ex-alunos que decidiram cursar graduação em Teatro propuseram que Vanja montasse o espetáculo profissionalmente.
A estreia oficial foi em 1992. De lá para cá, muita coisa mudou. A adolescência do início dos anos 1990 — quando ainda nem se falava em MSN, que dirá em WhatsApp ou aplicativos de relacionamento como o Tinder — não é a mesma de 2022. Isso exigiu que, ao longo destes 20 anos em cartaz, o texto fosse constantemente atualizado. A última atualização veio agora, pois a adolescência de 2022 também já não é mais a mesma de 2019, quando Adolescer fez sua última apresentação antes da pandemia.
— Foi o ano que mais deu trabalho para fazer o texto — garante Vanja. — Durante o isolamento, eu fiquei criando várias versões, mas não sabia nem se Adolescer iria estrear durante o ano. Porque, para escrever, eu preciso estar em contato com os adolescentes. Até que comecei a escrever em fevereiro. Em março, mudei tudo, depois em abril mudei novamente e em maio, antes da primeira apresentação que fizemos, já mudei mais coisas. O elenco brinca que foram 44 atualizações no texto, mas só neste ano já foram umas 80 (risos).
As mudanças são significativas no texto que será apresentado no Teatro do CIEE neste domingo. Vanja não queria fazer deste um Adolescer sobre pandemia, pois considera que a emergência em saúde foi especialmente traumática para os adolescentes, mas foi inevitável tocar em questões que se fizeram relevantes neste período.
A incidência cada vez maior do diagnóstico de depressão e ansiedade entre os jovens e a onda de pais se separando durante a pandemia, por exemplo, são alguns dos novos temas acrescentados ao espetáculo, que ganha agora também um novo ritmo de cena.
— O Adolescer desacelerou. Ele tinha uma adrenalina em todas as cenas, era pulsante. Agora, o público vai sentir ele desacelerado. O elenco foi reduzido de 14 para 11 atores, o tempo de palco foi de 1h50min para 1h30min e o texto está pendendo muito mais para o lado emocional, tem cenas muito tocantes. Todo mundo ficou com essa sensibilidade à flor da pele, inclusive os adolescentes. Eles saíram muito machucados da pandemia, pois foi um prejuízo de tempo muito grande para eles — explica a diretora.
Vanja fala com propriedade porque é quase uma especialista em adolescência. Afinal, são mais de 20 anos pesquisando e estudando o tema. O mais importante, porém, é aquilo que ela considera o fator crucial da longevidade do espetáculo: sua disposição para ouvir o que os adolescentes têm a lhe dizer, muito mais do que lhes falar coisas.
— Eu escuto eles, pesquiso sobre eles e observo eles. Onde tem adolescente eu estou olhando e escutando. É isso que alimenta o Adolescer. Para mim, o espetáculo acolhe, pois não é moralista, não julga e não dá respostas, somente mostra. E em 20 anos de Adolescer, eu sempre fiz questão de sentar na plateia. Ali eu fico observando. Observo que o menino quando chora levanta a camiseta na altura dos olhos para não mostrar que está chorando, observo o colega que abraça o outro em determinada cena, porque sabe que ele passou por aquilo. Isso para mim é impagável — diz, com a voz embargada.
Ao longo destes 20 anos sentada na plateia de Adolescer, Vanja não sentou na de muitos outros espetáculos do gênero. Isso porque eles quase não existem. Para a diretora, há uma carência de montagens voltadas ao público adolescente. E quem perde com isso é o teatro, que deixa de conquistar potenciais futuros espectadores do gênero.
— As pessoas acham que adolescente não gosta de teatro, só gosta de bebida, droga e música alta. Mas, com o Adolescer, eu vi que não. Eles curtem ver suas histórias no palco, eles se emocionam. O que ocorre é que não existe nada direcionado para eles. O teatro é a arte mais antiga de que se tem registro, é comunicação, e a gente precisa se comunicar com esse público — opina Vanja, garantindo que, apesar de ter seu público-alvo bem definido, Adolescer é um espetáculo para todas as idades. — O que mais vemos são pais e filhos que assistem juntos e se emocionam juntos. Muitas vezes, pais que também assistiram quando eram adolescentes.
Adolescer
- Neste domingo (11), às 18h, no Teatro do CIEE (Rua Dom Pedro II, 861), em Porto Alegre
- Ingressos a partir de R$ 60, disponíveis na plataforma Blueticket
- Após o espetáculo, que tem 1h30min de duração, haverá um bate-papo de 20 minutos sobre adolescência com a diretora Vanja Ca Michel e a psicóloga Carla Adriana da Silva Villwock