Enquanto o mundo assiste com tristeza e perplexidade aos confrontos entre Rússia e Ucrânia, as culturas dos dois países se mantêm vivas no Rio Grande do Sul e pregando paz. Os responsáveis por conservar e disseminar as tradições por aqui são os grupos folclóricos Solovey, fundado por descendentes ucranianos e com sede em Canoas, e Troyka, oriundo de filhos e netos de russos, que foi montado em Campina das Missões.
E as duas histórias são semelhantes: enquanto os russos vieram para o Estado no começo do século passado, fugindo do frio da Sibéria e em busca de prosperidade, recebendo terras do governo para colonizar Campina das Missões, os ucranianos vieram para o Brasil após a Segunda Guerra Mundial, há 75 anos, buscando um recomeço. E parte deles acabou sendo mandada para o Rio Grande do Sul, ganhando lotes em Canoas. O primeiro movimento dos dois povos ao chegarem aqui foi construir as suas respectivas igrejas ortodoxas, que servem como bases aos então estrangeiros.
O Folclore Ucraniano Solovey é um pouco mais antigo entre os dois. Criado em 1990, antes mesmo de a Ucrânia ser um país independente — o que ocorreu em 1991 —, o centro de tradições recebeu do governo ucraniano em 2021 um certificado de reconhecimento como sendo o único grupo do Rio Grande do Sul a manter na íntegra a cultura de seu povo, através de música, dança, eventos e gastronomia típicos.
Alexandre Velychko, diretor cultural do Solovey e filho de ucraniano, conta que o grupo, atualmente, conta com 45 integrantes e que não se restringe apenas àqueles que são descendentes do país do leste europeu. Pelo contrário, a intenção é atrair o maior número de pessoas para que, assim, mantenham-se vivas as tradições da Ucrânia.
— É uma forma de ter um convívio sociocultural. Aqueles que não são descendentes, no momento em que se inserem neste grupo, quando conhecem a cultura ucraniana, os ritos, a tradição, que é muito rica, acabam se apaixonando pelo nosso acolhimento — explica Velychko.
E essa abertura do Solovey para outras pessoas já trouxe para o grupo, além de brasileiros e poloneses, descendentes de russos, que dançaram lado a lado com os ucranianos, compartilhando suas tradições e formando uma família, que viaja para apresentações não somente dentro do Brasil, mas também na América do Sul.
— Tem um vínculo muito próximo. E em nenhum momento tivemos qualquer tipo de discórdia. Pelo contrário, foram pessoas fantásticas que passaram pela nossa vida, que deixaram marcas muito positivas pela nossa vida, assim como nós também deixamos na vida deles – conta o diretor cultural do Solovey.
Já o Grupo de Danças Russas Troyka, que tem como mantenedora a Associação Cultural Russa Volga, presidida por Jacinto Zabolotsky, existe desde 1992. E, nestes 30 anos de existência, os participantes se orgulham dos mais de 700 espetáculos realizados pelo Brasil e fora dele também, espalhando as tradições russas que estão presentes com intensidade em Campina das Missões — em 2021, o munícipio foi declarado berço estadual da cultura russa pelo governador Eduardo Leite.
E, como a cidade-sede do Troyka é pequena, com pouco mais de 6 mil habitantes, o grupo, que conta com 30 pessoas, está sempre em busca de mais membros para manter vivas as tradições da Rússia. Zabolotsky garante que quem entrar para o grupo compartilha virtudes que ele aprendeu com seus pais e também nas viagens que fez para o país do Kremlin: disciplina, respeito, postura. Tudo isso embalado em dança e folclore.
— Todas as pessoas que têm interesse na cultura e na história, e são simpatizantes, podem participar. Não existe distinção de raça, cor ou religião. Nós vivemos em harmonia com todas as demais culturas. Inclusive, aqui, não tem distinção entre russos, bielorrussos ou ucranianos. Todos vivem em paz, juntos, porque a raiz é a mesma — explica o presidente da Volga.
Zabolotsky, que prega uma mensagem de união e fé, prefere não se aprofundar sobre a guerra que ocorre entre as duas nações, mas relembra que, no passado, era "tudo uma coisa só". Velychko, do Solovey, destaca que tanto ele quanto a comunidade ucraniana desejam que o conflito fique entre as duas nações e termine logo, uma vez que, se entrarem outros países com poderio militar, "será o povo ucraniano que irá sofrer".
— A gente só lamenta, porque a gente gostaria que tudo fosse resolvido de forma pacífica — diz o representante do grupo Troyka.
— É uma sensação de perda, de vazio. Mas a Ucrânia sempre teve a sua tradição, sempre foi diferente e sempre vai manter essa cultura. A cultura vai se perpetuar, independentemente do que aconteça, porque a gente está aqui — reflete, emocionado, o diretor cultural do Solovey.