Por Desirée Pessoa
Atriz e encenadora, fundadora e diretora do Grupo NEELIC, doutora em Artes Cênicas pela UniRio
Um novo teatro começa agora. Ficará conhecido como Teatro Virtual. Virtual é potência. Portanto, falamos da formulação “teatro é potência”. É a resposta atual àquela com a qual nos acostumamos, a partir de Jerzy Grotowski, que nos diz que “teatro é encontro”.
O teatro que conhecemos até aqui acontece no encontro. Qual é o teatro que ainda não conhecemos e que pode ser compreendido como potência? É um teatro que não substituirá o da presença – ele é outra coisa. Mas não deve ser compreendido como paliativo, pois veio para ficar.
Quanto ao espetáculo, buscará dialogar com a distância física e, para tanto, o processo de intensificação de si será fundamental. Precisará encontrar intersecções entre os pares que, se estiverem em locais físicos distintos ao criar, deverão escolher elementos estéticos, éticos e políticos que os aproximem. Será necessária, mais do que nunca, a prática da alteridade. Essa talvez seja sua prova de fogo. Falamos sempre em nos colocarmos no lugar do outro. Como alcançar a capacidade de fazer isso ainda mais, e com ainda maior abertura?
Então, se trata de um teatro do corpo aberto. É um teatro de éticas experimentais. Essa expressão eu criei em 2018. No caso do teatro virtual, significará que os fazeres devem ser experimentados de modo amplo, e o público deverá saber disso, com transparência. Ele é, portanto, um teatro mais igualitário na relação entre atores e espectadores. A percepção do público será acolhida, por meios digitais, preferencialmente enquanto o espetáculo é realizado.
Não teremos certeza se o público estará presente ou apenas logado – a garantia de sua participação deixará de existir. Outra prova de fogo: para quem, então, o faremos? É preciso deslocar as crenças. Já não importa se, de cada 10 pessoas logadas, apenas cinco estão acompanhando. A certeza deve ser a de que, se cinco acompanharem, já valeu a pena.
É um teatro que precisará buscar as áreas-irmãs para se mesclar e acontecer: um diálogo mais profundo com o cinema e a videoarte ocorrerá. É tempo de essas irmãs mais jovens auxiliarem a anciã a sobreviver. É tempo de cuidarmos de nossos idosos.
O teatro é o idoso de nossa família, de nosso edifício, de nossa comunidade, do qual todos temos que cuidar neste momento em que uma pandemia que ataca especialmente pessoas dessa faixa etária se instaurou entre nós. Nunca a ideia de ancestralidade se fez tão latente em nossa área. Precisamos retomar nossas fontes para avançar. Teatro é algo antigo e contemporâneo a um só tempo.
Quanto à pedagogia do teatro, também deverá ser repensada. Como podemos nos comunicar com as pessoas a distância e fazer a magia do teatro acontecer? Como o poder transformador do teatro ocorre no universo virtual? São perguntas igualmente sérias e fragilizadoras. Será preciso, portanto, lembrarmos de Eugenio Barba, ao afirmar que somos os guerreiros que lutam de mãos nuas: nossa vulnerabilidade se transforma em nossa força.
O futuro do teatro é aquele que compreende real e virtual, presença e potência, arte e tecnologia como dimensões que podem andar paralelamente ou entrelaçadas: a escolha será, como sempre o foi em nossa arte, das pessoas criadoras.
Será necessário que nossos jovens sejam inspirados à luta. Que eles, que vêm depois de nós e escolheram o teatro como vida, saibam que deverão se colocar à prova a cada dia, com coragem e abertura ao novo.
O que estamos vivendo não poderá mais ser encarado como um momento de suspensão. Devemos firmar nossos pés na terra para alçarmos o importante voo que nos espera. E é desse modo que aquilo que criarmos poderá caminhar lado a lado com o teatro presencial e promoverá, assim, estéticas ainda não imaginadas. Precisam estar de braços abertos ao teatro virtual, pois ele pode e deve acontecer. Mais: ele já começou.
E que nossos jovens saibam, inspirados por nós e pelo legado das pessoas de teatro do mundo todo que nos antecederam, que serão parte de uma mudança que requererá um enorme entusiasmo. Mas, se empenhada a necessária força, o necessário fôlego e a necessária abertura, nossa arte não apenas resistirá. Ela se transfigurará, revolucionariamente, pela ação de cada um, em novas formas de amor à humanidade. O futuro do teatro é aquele que compreende real e virtual, presença e potência, arte e tecnologia como dimensões que podem andar paralelamente ou entrelaçadas: a escolha será, como sempre o foi em nossa arte, das pessoas criadoras.
A pergunta que devemos sempre nos fazer, portanto, sobre o significado do teatro para nós mesmos será a mola que impulsiona aqui e agora a revolução cujos desejos e necessidades não se satisfarão com resultados pueris, mas efetivarão a verticalização necessária, virtual e atual de nossa arte.