A cena musical porto-alegrense vai além dos palcos dos teatros e das grandes casas de shows. Alguns bares se consolidaram ao longo do tempo como importantes pilares para diferentes gêneros musicais. Desde março, no entanto, todos estão com as portas fechadas, por conta do coronavírus. Trata-se de uma situação que afeta não apenas seus proprietários e frequentadores, mas também os músicos e todos os beneficiados com a exposição e renovação de seus trabalhos.
GaúchaZH conversou com os responsáveis por alguns dos principais bares musicais da cidade. Nenhum acredita que poderá abrir as portas nos próximos meses. Mas a boa notícia é que ninguém cogita encerrar as atividades em definitivo – e há quem faça planos de sair da crise mais fortalecido do que entrou.
Empresários têm buscado diferentes soluções para não fechar definitivamente as portas, apesar do isolamento social não ter data para acabar. Lives remuneradas, shows a distância, pizzas por encomenda e até venda de raquetes de ping-pong e pijamas estão servindo como soluções para driblar a crise imposta com o avanço do coronavírus. Além de manter as contas no azul, são maneiras de manter o contato com o público e afastar um pouco a saudade das noites musicais e festivas.
Espaço Cultural 512
Localizado em uma das ruas mais movimentadas da Cidade Baixa, o 512 é um dos principais palcos para artistas do samba e da MPB de Porto Alegre. Com o fechamento, em 17 de março, os proprietários desligaram os sete funcionários que trabalhavam na casa. As despesas rescisórias, naquele momento, pareciam a gota d’água para as finanças do local, já combalidas por dois anos de receita em queda.
Os sócios cogitaram entregar as três casas que compõem o bar, mas foram animados com a notícia da aprovação de um Plano de Prevenção e Proteção Contra Incêndios (PPCI) que havia sido remetido à prefeitura. Com isso, o 512 recebeu sinal verde para executar reformas para ampliação do palco e da capacidade de público, que vai saltar de 200 para 396. Os sócios então conseguiram três empréstimos para possibilitar as mudanças e ter fluxo de caixa para atravessar a crise. E também batalharam por descontos nos imóveis alugados.
— A ampliação de público foi pensada antes da pandemia. Estamos aproveitando a oportunidade para fazer alterações no projeto, no sentido de nos adequar à situação de distanciamento social. São mudanças internas, que não influenciam no PPCI, mas vão trazer um enorme ganho em questão de saúde e higiene. Com isso, poderemos reabrir com público reduzido e ampliar conforme as normas em relação à pandemia mudarem — explica Guilherme Carlin (à esquerda na foto, junto com Rafael Corte, outro sócio do espaço).
Carlin pretende retomar as atividades do 512 em julho, caso a prefeitura permita a reabertura de bares. Por meio das redes sociais, foi divulgada uma vaquinha para receber doações em troca de vouchers antecipados de consumo:
— A vaquinha não solucionou nossos problemas, mas ajudou muito a diminuir o impacto da crise.
Parangolé
Também na Cidade Baixa, com metade da capacidade de público do 512 e clima mais intimista, o Parangolé costumava apresentar uma seleção qualificada de músicos tarimbados da MPB e outros gêneros. Sem atividade desde março, a casa é administrada por Cláudio Soares de Freitas. Aos 66 anos, ele lamenta ter perdido a rotina do bar:
— Os frequentadores não são meus clientes. São meus amigos. Minha vida social é no bar. Estou sofrendo muito com o isolamento. No entanto, estou no grupo de risco, não posso me expor e não pretendo oferecer risco a nenhum funcionário ou frequentador — afirma o proprietário, conhecido no meio musical como Seu Cláudio.
Os dois funcionários da casa tiveram o contrato suspenso por dois meses e agora estão em férias. Eles devem voltar ao trabalho no próximo mês. Enquanto isso, Seu Cláudio elabora um plano para reabrir as portas, mas não receber público. Ele se mostra inclinado a oferecer opções de telentrega aos clientes.
— Embora as pessoas consumissem nossos lanches, elas não iam até lá exatamente para comer, mas pela experiência de estar no bar, de ouvir música, de ver os amigos. Mas há muita gente que gosta dos nossos snacks. Quem sabe elaborando um cardápio novo voltaremos às atividades.
Além do custo dos funcionários que voltarão à ativa, Seu Cláudio também tem despesas de aluguel. Segue em negociação com o locador para estabelecer uma escala gradativa de descontos conforme o movimento. O bar também tem realizado lives pelas redes sociais, mas a arrecadação de doações é totalmente dedicada aos artistas que estão privados do palco da casa.
Gravador Pub
Aberto há quatro anos, o Gravador Pub tem se tornado um importante palco de Porto Alegre, recebendo grandes estrelas do blues americano, mas também possibilitando destaques da música regional. Localizado no Quarto Distrito, com capacidade de até cem pessoas, o bar não abre desde março. Para manter o aluguel e as despesas com funcionários em dia, Gabriel Vieira Lopez Salomão, o proprietário, escolheu uma entre as joias do seu cardápio para oferecer aos seus frequentadores: pizzas com diferentes sabores.
A adesão tem sido grande. Segundo Gabriel, há dias em que ele trabalha das 8h às 22h30min para preparar e entregar os pedidos. Já que a casa tem tamanho reduzido, o proprietário não vê possibilidade de reabertura nos próximos meses:
— Se eu precisar respeitar o distanciamento de um metro e meio entre as pessoas, vão caber 16 pessoas ou algo assim. Não vale a pena abrir desse modo.
Gabriel tem realizado transmissões de rádio via web do Gravador.
— As pessoas ficam falando sobre o momento em que tudo isso passar. Eu não. Eu não quero que simplesmente passe. Olha como o trânsito e a poluição diminuíram desde o início da pandemia. Eu, por exemplo, estou tendo a oportunidade de ficar o dia todo em casa, com meus filhos. O home office veio para ficar. Nesse momento, temos que repensar o papel do Gravador e buscar saídas — diz Gabriel.
Café Fon Fon
Localizado no bairro Santana, o Café Fon Fon costumava ser um dos melhores pontos para ouvir jazz em Porto Alegre. O clima é intimista, com capacidade para no máximo cem pessoas. Quem atende o público são os donos, Bethy Krieger e Luizinho Santos, e uma funcionária, que segue vinculada ao bar.
— Nossa sorte é que o isolamento nos pegou em um momento de maior tranquilidade no caixa. Se fosse ano passado, quando tivemos despesas para a substituição de equipamentos, não sei como faríamos — avalia Bethy.
No momento, a equipe estuda como oferecer serviços com as portas fechadas. Bethy analisa a viabilidade de alguma opção de telentrega. Além disso, também há possibilidade de oferecer em plataformas de streaming alguns shows gravados no local. No entanto, nenhum dos planos está confirmado ou tem data de início planejada.
Enquanto isso, Bethy e Luizinho, que também são músicos, realizam lives cinco vezes por semana, com link para doações. Os valores recebidos ajudam a manter as contas fora do vermelho.
— Muitas pessoas colaboram. Além disso é um modo de estar mais próximo do que era nosso cotidiano antes da pandemia. Não tenho esperança de abrir as portas tão cedo. Vai depender muito da dinâmica da cidade — diz Bethy.
Agulha
Aberto há apenas três anos, o Agulha já se consolidou como um dos principais palcos da cidade, recebendo destaques da cena independente de dentro e de fora do Estado. Nenhum dos 13 funcionários foi desligado da casa - estão com os contratos suspensos, recebendo parte do salário do governo e uma complementação dos empregadores.
— Estamos tentando manter a sinergia. Queremos voltar com todo mundo trabalhando. Vamos passar por algumas dificuldades, mas o Agulha vai sobreviver — afirma Eduardo Titton, um dos proprietários do bar.
Localizado no Quarto Distrito, o Agulha tem despesas com aluguel, além do pessoal. Recentemente, também houve gastos com a instalação de equipamento de transmissão de dados via fibra ótica, para transmitir shows ao vivo.
— A ideia é que a gente reúna um pequeno grupo, de 10 pessoas, por exemplo, mas que seja possível comprar ingresso e assistir ao show de casa — explica Titton.
Enquanto os shows a distância não ocorrem, o Agulha tem conseguido manter as contas em dia com um fundo de reserva, com a arrecadação de um patrocinador e com a linha de produtos Salve Salve, disponível no site do bar. A loja virtual tem produtos voltados ao isolamento, como raquetes de ping-pong, baralho e pijama - este último é o campeão de vendas.