Assim como fez Brecht na Alemanha, Meierhold (1874-1940) dedicou-se à missão de confrontar as ilusões do teatro. O grande teórico e diretor russo entendia que o faz de conta do naturalismo limitava a experiência do público, entregando tudo pronto e impedindo-o de imaginar. Enquanto Brecht se tornou amplamente conhecido por sua teoria e pelas peças que escreveu, os ensinamentos de Meierhold sobre a arte da cena e do ator viraram objeto de culto de artistas e especialistas.
O público porto-alegrense terá a oportunidade de conhecer melhor a vida e as ideias do mestre russo no novo espetáculo do Ói Nóis Aqui Traveiz, dentro das comemorações dos 40 anos do grupo de teatro gaúcho. Meierhold estreia neste quinta-feira (29), com sessões de quintas a domingos, sempre às 20h, na Terreira da Tribo (Rua Santos Dumont, 1.186), até 22 de dezembro.
Se criticava a ilusão do teatro da época, Meierhold foi, ele mesmo, vítima de uma crença. Tendo abraçado a causa da revolução russa em 1917, passou a ser visto com crescente desconfiança pelo regime soviético devido à independência estética que contrariava a cartilha do realismo socialista. Acusado de formalista, terminou perseguido e morto durante o stalinismo, assim como sua esposa, a atriz Zinaida Reich.
A defesa da liberdade de expressão artística foi o que motivou o Ói Nóis a encenar esta livre adaptação da peça Variações Meierhold, do dramaturgo argentino Eduardo Pavlovsky (1933-2015), como explica Paulo Flores, um dos fundadores do Ói Nóis, que vive o protagonista:
– O principal deste trabalho é a potência da imaginação do ser humano. Por isso, qualquer regime autoritário vai encontrar na arte seu inimigo. A ideia de montar este texto teve a ver com o momento que estávamos começando a viver no Brasil, e a tendência é só piorar.
Por ter sido também psicanalista, Pavlovsky retrata Meierhold não apenas em sua trajetória artística como em seus dramas humanos, observa a atuadora Keter Velho, que contracena com Paulo no papel de Zinaida e em outras participações no decorrer da ação:
– Suas contradições como ser humano transparecem ao público. Falar de seu teatro é a parte fundamental, mas é visível em cena toda a sua trajetória de vida e o contexto histórico em que viveu. O público tem uma percepção sobre o teatro que ele defendeu e os pontos pelos quais foi preso, torturado e assassinado.
Espaço cênico intimista
Esta é uma montagem diferente na trajetória do Ói Nóis, com apenas dois atuadores. Embora seja encenado na Terreira da Tribo, não é um espetáculo de teatro de vivência (formato em que o público percorre os espaços ao lado dos atores). O cenário construtivista, baseado na criação da artista de vanguarda Liubov Popova para a produção de Meierhold de O Corno Magnífico (1922), foi erigido em um espaço intimista com capacidade para 35 espectadores sentados. A intenção é que a estrutura viabilize a circulação do trabalho em um momento de crise de financiamento à cultura.
Nos ensaios abertos realizados antes da estreia, espectadores estabeleceram uma conexão do que se passa na cena com a necessidade de uma autocrítica da esquerda no momento em que perde terreno no Brasil e no mundo, mas Paulo observa que o espetáculo não traz uma alusão explícita à atualidade:
– Está muito mais presente a questão da liberdade do artista e a potência do teatro para alcançar a emancipação humana, mas o que aconteceu na União Soviética faz parte da história. Foi um sonho revolucionário que se transformou em uma ditadura.
MEIERHOLD
Estreia nesta quinta-feira (29). De quintas a sábados, às 20h. Até 22 de dezembro.
Duração: 90 minutos. Classificação: 14 anos.
Terreira da Tribo (Rua Santos Dumont, 1.186), fone (51) 3286-5720, em Porto Alegre.
Ingressos: R$40.
À venda no Meme Santo de Casa, no StudioClio e no site sympla.com.br (com taxa) ou na Terreira da Tribo, nos dias de sessão, a partir das 15h.