Um espetáculo contemporâneo, bem contemporâneo. Assim o diretor Paulo de Moraes descreve a montagem de Hamlet que a Armazém Cia. de Teatro exibe nesta quarta (9) e quinta (10), às 21h, no Teatro Renascença (Av. Erico Verissimo, 307), em Porto Alegre, dentro da programação do 13º Festival Palco Giratório Sesc/POA. Estreado em 2017, o trabalho celebra os 30 anos da companhia paranaense radicada no Rio desde 1998, que em temporadas passadas trouxe inúmeros espetáculos à Capital – o mais recente deles foi Inútil a Chuva, em 2016, e um dos mais memoráveis, Inveja dos Anjos, em 2010.
A mais célebre peça de Shakespeare (1564 – 1616) chega com figurinos atuais (exceção para algumas poucas referências de época), trilha sonora roqueira e projeções de vídeo em uma parede de vidro, conferindo ao espectro do pai de Hamlet um efeito que se assemelha a um holograma.
– Queríamos a história em toda sua potência. Nossa intenção era que as pessoas se reconhecessem e vissem o mundo ao seu redor. Tudo caminha para isso: luz, música, figurino e projeções – afirma Moraes.
Conhecida por espetáculos com texto próprio, geralmente uma parceria entre Moraes e Maurício Arruda Mendonça, a Armazém retorna a uma peça clássica, paradoxalmente, em busca de liberdade criativa. O diretor explica:
– Quando você trabalha com uma peça sua, as coisas estão ligadas desde o início e, em certos momentos, você pode ficar um pouco amarrado. Não queria esse tipo de relação nesse momento.
Foram estabelecidos, inicialmente, um recorte determinado e uma reordenação das cenas da peça de Shakespeare para que Mendonça a traduzisse, privilegiando a comunicação, ou seja, a clareza das palavras na boca dos atores. Não houve uma preocupação específica com os versos, mas há uma força poética “sem pompa”, segundo a definição de Moraes.
Relação com o presente está subentendida
O diretor vê em Hamlet uma peça da qual todos ouviram falar, mas nem todos conhecem profundamente. Se a ascensão ao poder de Claudius, tio de Hamlet, e a união daquele com a mãe do protagonista, Gertrudes, sinalizava o início de uma nova ordem na Dinamarca, hoje testemunhamos também uma mudança de paradigma, com o crescente desprestígio da democracia e a polarização. Pela riqueza e atualidade da peça, Moraes acredita que nenhuma referência aos acontecimentos recentes precisou ser explicitada no espetáculo, que tem duração de 140 minutos:
– Tudo que é dito em cena percebemos no Brasil, no mundo, à nossa volta. É uma peça sobre a usurpação de poder, algo que claramente aconteceu no país, na minha visão, mas também há as notícias falsas a respeito de como se deu a morte do rei (o pai de Hamlet) e a conquista da Dinamarca.
O papel de Hamlet cabe à atriz Patrícia Selonk, uma das mais destacadas da cena brasileira. Embora na época de Shakespeare homens interpretassem tanto os papéis masculinos quanto os femininos, a história conta com importantes atrizes no papel do príncipe da Dinamarca – de Sarah Siddons, no século 18, a Sarah Bernhardt, Frances de la Tour e Angela Winkler.
Um dos questionamentos da fortuna crítica é se o protagonista se finge de louco para desmascarar o tio e a mãe ou se de fato é tomado pela insanidade ao descobrir a verdade. Moraes sugeriu a Patrícia dar vida a um Hamlet que se finge de louco para provocar a revelação da verdade, mas que é tão radical em seu esforço que a loucura começa a tomar conta efetivamente dele. Um pouco como o tempo presente, de exacerbação dos sentimentos.
Completam o elenco Ricardo Martins (Claudius), Marcos Martins (Polonius), Lisa Eiras (Ofélia), Jopa Moraes (Laertes/Guildenstern), Isabel Pacheco (Gertrudes) e Luiz Felipe Leprevost (Horácio/Rosencrantz). Adriano Garib faz uma participação especial em vídeo como o Espectro.
Escrevendo nos anos 1960, o influente crítico polonês Jan Kott chamou Shakespeare de "nosso contemporâneo". Para Kott, a obra do Bardo tinha muito a expressar sobre a Polônia e a Europa do século 20. Não é por acaso que este crítico foi uma referência para a Armazém, cujo Hamlet destaca o potencial político de Shakespeare até hoje.
– Kott tem uma expressão para isso. Diz que Hamlet é uma "peça-esponja", que absorve as questões do tempo em que é remontada – observa Moraes.
13º FESTIVAL PALCO GIRATÓRIO SESC/POA
De 4 a 26 de maio em diferentes espaços de Porto Alegre
- Ingressos à venda em todas as unidades do Sesc no Estado e pelo site sesc-rs.com.br/palcogiratorio. Em Porto Alegre, o atendimento presencial é no Sesc Centro, de segunda a sexta, das 8h às 19h45min (até as 13h para a apresentação do dia), e aos sábados, das 8h às 13h.
- Os ingressos disponíveis serão vendidos também na bilheteria de cada local de espetáculo, uma hora antes do início da sessão.
- Os ingressos custam R$ 10 (comerciários com Cartão Sesc/Senac, estudantes, classe artística e maiores de 60 anos), R$ 15 (empresários com Cartão Sesc/Senac) e R$ 20 (público em geral).
- Veja a programação completa em sesc-rs.com.br/palcogiratorio.