Em sua primeira passagem por Porto Alegre, o Cirque Éloize realiza apresentação única do espetáculo Cirkopolis nesta sexta-feira (29), às 21h, no Teatro do Bourbon Country (Av. Túlio de Rose, 80, 2º andar do Bourbon Shopping Country). Neste trabalho, criado em 2012, a companhia canadense utiliza circo, teatro, dança, música e projeções em vídeo para contar a história de uma cidade cinzenta e burocrática que muda de cara com a chegada dos artistas.
Leia, a seguir, a entrevista que o diretor artístico da companhia, Jeannot Painchaud, concedeu a Zero Hora por telefone:
Qual é a mensagem que vocês esperam transmitir ao público com Cirkopolis?
É sempre complicado falar em mensagem, mas tentamos criar um entretenimento significativo. Cirkopolis seguiu outro espetáculo, iD (2009), que era baseado na história de dois clãs, na procura pela identidade de grupo. Cirkopolis também é sobre a identidade, mas a identidade da cidade, a busca por mim mesmo. Eu explico. A inspiração vem de três fontes: o mundo de Kafka, o filme Metrópolis (1927, de Fritz Lang) e o filme Brazil (1985), de Terry Gilliam. A ideia por trás disso é a busca para ser você mesmo, especialmente em uma cidade cinza, um mundo estranho onde a humanidade tem dificuldade em encontrar seu lugar. O personagem principal, vivido por Ashley (Carr, artista da companhia), quer contaminar a cidade e o meio com sua poesia, com sua sensibilidade. Todos podemos plantar uma flor em uma cidade de escuridão, e de repente a humanidade toma forma. Pode parecer lúgubre, mas não é de forma alguma. É uma reflexão sobre questões como: estou no lugar certo? Eu sou eu mesmo? Esse é o ponto de partida. Claro, eu queria trabalhar com um coreógrafo muito forte. Por isso, Dave St-Pierre, um coreógrafo muito famoso da dança contemporânea em Montreal, foi convidado para codirigir o espetáculo comigo. Porque as imagens fortes, especialmente as imagens de grupo, foram o ponto de partida para a poesia ter lugar. Nos espetáculos do Cirque Éloize, sempre há um balanço entre o movimento, pois buscamos um nível acrobático muito alto, e a teatralidade.
Cirkopolis tem uma visão otimista ou pessimista do futuro da sociedade?
Otimista, com certeza.
Na atualidade, algumas pessoas dizem que devemos pensar na questão coletiva da sociedade e outros acham que devemos incentivar a individualidade. Cirkopolis trata dessa questão?
Absolutamente. Acredito fortemente que, para ser parte da sociedade, você tem que encontrar a si mesmo antes, conhecer quem você é. Não há outra escolha a não ser começar por aí: encontrar a si mesmo, sua personalidade, sua motivação.
Acredito que os artistas de circo hoje são pessoas multitalentosas
Jeannot Painchaud
Diretor artístico
Os performers da companhia são treinados em que linguagens artísticas?
A maioria deles são performers do circo, mas da cena do circo contemporâneo. Temos uma maioria de candidatos da Escola Nacional de Circo de Montreal, que considero a melhor escola de circo no mundo. Também estudei lá e estudei na França, no Centro Nacional das Artes do Circo. Acredito que esses dois polos estiveram no início do que chamamos de circo contemporâneo. O que descobrimos com o passar dos anos é que, cada vez mais, as jovens gerações de artistas do circo contemporâneo estão abertas para trabalhar como criadores e também intérpretes. Não procuramos apenas os melhores malabaristas do mundo, mas malabaristas muito fortes que sabem ser também muito bons intérpretes. Acredito que os artistas de circo hoje são pessoas multitalentosas. Há 24 anos, levamos o circo para o palco, ao invés do picadeiro, e também trabalhamos com diretores do teatro e coreógrafos da dança contemporânea. Nossos artistas fazem parte do espetáculo inteiro. Dos 80 minutos ou 85 minutos, cada artista permanece no mínimo uma hora no palco.
Os performers têm um treinamento diário especial?
Sempre. Eles aprendem isso na escola de circo e são treinados assim. Como é tão difícil se tornar um bom artista de circo hoje, você precisa disso. O desafio para uma companhia como a nossa é manter a disciplina de treinamento durante a turnê. Por isso, além da apresentação do espetáculo, damos tempo para eles no palco durante a tarde para ensaiar o programa. Quando eles chegam no Cirque Éloize, já são profissionais. Estão prontos, em certo sentido. Mas para manter a qualidade do físico certamente eles precisam praticar todo dia.
Europeus vêm trabalhar e estudar em Montreal porque sabem que tem muita coisa acontecendo, e não apenas na indústria do circo
Jeannot Painchaud
Diretor artístico
Você citou que Montreal tem a melhor escola de circo no mundo. O Canadá também é a terra do Cirque du Soleil. Como você analisa essa tradição do novo circo no país?
A Escola Nacional de Circo foi fundada em 1981. O Cirque du Soleil chegou em 1984. O Cirque Éloize veio em 1993. Em 2018, será nosso 25º aniversário. Depois da Escola, do Soleil e do Éloize, têm surgido muitas novas companhias e indivíduos. Quando você fala no Canadá, deveria focar na província do Quebec e mais especificamente em Montreal. Agora, a cidade de Quebec também tem boas escolas de circo, mas o centro do circo contemporâneo é na cidade de Montreal. Europeus vêm trabalhar e estudar aqui porque sabem que tem muita coisa acontecendo, e não apenas na indústria do circo. Cada vez mais o teatro e a dança usam acrobatas. Há um movimento crossover nas artes que vai de uma disciplina a outra. Sempre dizemos que Montreal está entre a Europa e a América. E isso torna nosso trabalho único. Todos esses ingredientes provavelmente trouxeram uma nova geração de artistas anos atrás.
A arte do circo é muito antiga. Como vocês continuam inovando no palco?
É verdade. É cada vez mais difícil reinventar a acrobacia. Em nossas criações, sempre tentamos fazer algo novo, como um novo tipo de movimento acrobático. Mas essa é apenas uma parte do espetáculo do Cirque Éloize. Podemos dizer que o circo contemporâneo é mais uma mistura de diferentes formas de arte: acrobacia, música, dança e projeção em vídeo. Criadores que trabalham em um filme ou em uma peça, por exemplo, sempre começam com o tema ou o roteiro. É como nos reinventamos, pois não começamos da acrobacia. A acrobacia é uma das ferramentas para fazer um grande espetáculo. Mas claro que é a mais importante, porque ainda nos consideramos um grupo de circo.