João Carlos Castanha tem um je ne sais quoi para a comédia que o torna infalível nesse tipo de espetáculo. É o que ocorre em O que Terá Acontecido a Baby Jane?, adaptação teatral do filme clássico de 1962 que realizou temporada de estreia no Porto Verão Alegre na semana passada e voltará a cartaz em junho no Teatro do Sesc Centro. É tiro e queda: o público desata a gargalhar com a mera contemplação da figura de Castanha, assim que ele entra em cena como a estrela decadente Jane Hudson. Caracterizado com uma versão ainda mais bizarra da maquiagem propositalmente exagerada adotada por Bette Davis no cinema, ele está mais para clown do que para diva. E isso faz toda a diferença.
A montagem do diretor Zé Adão Barbosa é debochada mesmo quando não pretende ser, e ainda reserva momentos de suspense para os espíritos desarmados. Uma Baby Jane como nunca se viu. Mais do que uma adaptação, flerta com a paródia, recurso que tem sido cada vez mais reconhecido como uma forma legítima de releitura – e, por que não, homenagem. Não há forçação de barra: é como se toda a graça estivesse na percepção do público. Em cena, os atores reproduzem as principais cenas do filme de Robert Aldrich (por sua vez, baseado no romance de Henry Farrell) em um roteiro que o sintetiza em pouco mais de uma hora.
Lauro Ramalho vive Blanche Hudson, a irmã de Jane (representada no filme por Joan Crawford) que se tornou cadeirante depois de um misterioso acidente de carro que será esclarecido ao final. A graça do espetáculo é enfocar as maldades que a sádica Jane inflige na irmã, notadamente o terrorismo psicológico aplicado com suspeitas refeições. Caio Prates completa o elenco como Elvira, a empregada doméstica que desconfia de algo estranho na casa das irmãs Hudson, e Edwin Flagg, o professor de música que Jane contrata para tentar voltar aos holofotes com o número de vaudeville que a celebrizou quando criança.
Embora respeite rigorosamente a trama original, Baby Jane chama atenção pelo mais completo desapego ao filme no que diz respeito ao procedimento. Nada aqui levanta suspeita sobre alguma angústia da influência. Castanha e Ramalho tomam para si papéis que foram de grandes estrelas do cinema (Bette Davis e Joan Crawford) com o despudor que só os clowns sabem ter. Prates faz o mesmo com seus dois personagens. Essa despretensão, ilustrada pelo cenário simples que aspira a certo realismo, faz desta uma homenagem singular à magia do cinema. Afinal, ninguém esperava deles mais do que isso: uma exibição, de peito aberto, de tudo que o teatro pode ser.