Nada menos que 40 anos separam Um Tira da Pesada de seu mais novo capítulo, Um Tira da Pesada 4: Axel Foley, que estreia na Netflix nesta quarta-feira (3). A produção marca um reencontro nostálgico entre o público e Axel Foley (Eddie Murphy), o policial que não segue regras e que sempre aproveita a oportunidade de sair de Detroit e para ir a Beverly Hills se meter nas mais diversas confusões.
Fenômeno de popularidade oitentista, Um Tira da Pesada (1984) consagrou Murphy não apenas como uma estrela de Hollywood, mas como um astro mundial. E o sucesso garantiu duas sequências — uma lançada em 1987 e outra em 1994. As continuações, entretanto, foram perdendo qualidade conforme foram lançadas, afastando o público. Resultado? Três décadas até que o quarto capítulo visse a luz do dia.
Neste meio tempo, foram diversas as tentativas de tirar um novo filme da franquia do papel, mas sempre houve diferenças criativas entre os envolvidos e o próprio protagonista não estava convencido a retornar, visto o fiasco do terceiro. O projeto acabou passando pelo famoso inferno de produção e, em 2013, até uma série começou a ser produzida, mas o projeto acabou não avançando — é possível encontrar o episódio-piloto no YouTube.
Agora, sob os domínios da Netflix, o longa-metragem chega com pompa de um dos grandes lançamentos do ano — tanto é que o estúdio desembolsou US$ 150 milhões para a empreitada. E não é difícil cravar que Um Tira da Pesada 4 deverá ser um sucesso na plataforma e, inclusive, ganhar novos capítulos. O longa tem tudo o que o público do serviço gosta: ação, explosões, um astro cativante e, principalmente, uma diversão que não exige demais do espectador, que busca apenas se distrair no sofá de casa.
Jogando no seguro
O roteiro, escrito a seis mãos — Will Beall, Tom Gormican e Kevin Etten —, anda pelo caminho seguro, apostando em situações frequentemente vistas em filmes do gênero. Nesta quarta aventura, Foley precisa voltar a Beverly Hills para ajudar a sua filha, Jane (Taylour Paige), que se tornou advogada, cortou relações com o pai, mas, agora, está sendo ameaçada por mafiosos, liderados pelo Capitão Grant (Kevin Bacon).
E, claro, com o retorno do policial às ruas da badalada cidade da Califórnia, velhos conhecidos também dão as caras, como Judge Reinhold como Billy Rosewood e John Ashton como John Taggart, a dupla de policiais que fica na cola de Foley no primeiro filme. São aparições que devem alegrar o público mais velho — e elas não são gratuitas, pois movimentam a história —, mas que não ocupam tanto tempo de tela.
O filme, na verdade, é dividido entre Foley, Jane e o detetive Bobby Abbott (Joseph Gordon-Levitt), sendo estes dois últimos os responsáveis por injetar uma certa jovialidade na produção. A dinâmica entre o trio, entretanto, é batida: temos o pai que precisa reconquistar a filha e que, ao mesmo tempo, fica em pé de guerra com o rapaz, que já foi namorado dela. É uma tentativa de mostrar que o tempo passou e, hoje, as preocupações do protagonista são outras.
Compreensível, mas a pouca criatividade tira parte do brilho da produção — e é interessante avaliar que Jerry Bruckheimer, que produz o título, também é responsável pela franquia Bad Boys, que conseguiu injetar, pelo menos no empacotamento dos filmes mais recentes, momentos inspirados. No novo Um Tira da Pesada, ao tentar apostar no fator família, Axel Foley praticamente não tem tempo de tela sozinho. E esta é uma decisão de difícil compreensão, visto que o longa carrega, vejam só, o nome do personagem.
A direção do estreante Mark Molloy também não ajuda. Mesmo com recursos, o cineasta não sai do básico — em uma cena em questão, ele até tenta um ângulo mais inventivo para posicionar a câmera e, assim, dar uma dinâmica diferente para filmar a ação. O momento dura muito pouco e fica solto no meio da projeção, mostrando a insegurança do cineasta em tentar fazer diferente.
Um Tira da Pesada 4: Axel Foley joga no seguro, trazendo algumas piadas com a idade avançada dos personagens e utilizando os recursos certos para reter o público veterano pelo saudosismo, mas também sendo acessível para as novas gerações. E, mesmo com problemas e potencial desperdiçado, quando a música-tema sobe, aquela batida eletrônica que leva o nome de Axel F, composta pelo alemão Harold Faltermeyer, não tem como não se animar. É a cara dos anos 1980.
"Gosto especial"
Se Eddie Murphy se firmou como uma grande estrela de Hollywood com Um Tira da Pesada, em 1984, uma figura quase simbiótica ao astro norte-americano — para os brasileiros — também se consagrou com este filme. É o dublador Mario Jorge, que começou a dar voz no Brasil para o ator gringo e, de lá para cá, já são 40 anos e incontáveis produções — incluindo, toda a franquia Um Tira da Pesada.
— Eu adoro dublar o Eddie Murphy. Já dublei ele em tudo o que se imaginar, até em documentário (risos). Mas dublar o Axel Foley tem um gosto muito especial. Foi o primeiro filme dele que eu fiz. E não houve mudança, só tecnológica, tanto para a gravação do filme quanto para a dublagem, que hoje é muito mais fácil de fazer. Mas sempre acho o Axel Foley incrível. Tomara que tenha o quinto, o sexto, o sétimo, o oitavo, o nono Um Tira da Pesada — conta Mario Jorge.
Renovações do personagem
Sobre a evolução do personagem, o dublador acredita que, hoje, ele está mais calmo em questão de fala intensa e rápida — que deixava até o espectador sem fôlego. E isto se dá, inclusive, pela questão da idade de Eddie Murphy, que está com 63 anos. Porém, a essência de Axel Foley segue a mesma. Então, o quarto filme da franquia chega neste momento da vida do personagem — o que é celebrado por Mario Jorge, aos 70 anos:
— Eu não sei se hoje teria a capacidade de fazer o que fiz em Um Tira da Pesada (risos), até por causa da minha idade. Se bem que hoje seria até mais fácil, porque, naquela época, se errasse, voltava tudo. Hoje não: você erra, para e aproveita até onde errou. Dá tempo para você respirar. Naquela época, não dava. Você tinha que respirar, mas só Deus sabe por onde (risos).
E os 30 anos afastado de Axel Foley fez com que Mario Jorge precisasse pesquisar sobre como trazer o personagem para os dias atuais e dentro do universo que o brasileiro se sinta contemplado:
— Procuro renovar as gírias. O que usei há 30 anos, não posso usar agora. Não dá mais. Então, o que faço? Tenho três filhas jovens e elas me ajudam. Assim, na dublagem, mostramos que a gente evoluiu também.
Ao falar de evolução, o dublador também aponta que o novo filme, como produção, reflete este avanço no tempo e um investimento maior. Ele aponta uma cena em que Murphy e Gordon-Levitt estão dentro de um helicóptero que sai voando baixo pelas ruas de Beverly Hills como um diferencial para a franquia.
— Antigamente, você não tinha como fazer isso. Hoje, acho que Um Tira da Pesada 4 e o próprio Axel Foley têm muito mais ritmo, mais ação e estão mais engraçados que os primeiros — garante o animado Mario Jorge.