O que o Papai Noel faz nos outros 364 dias do ano?
Esta foi a pergunta que o cineasta Gustavo Spolidoro ouviu de sua filha Aimée quando era pequena, enquanto ambos escreviam juntos uma carta para o Bom Velhinho. A partir disso, ele teve a ideia de responder a esta dúvida e, claro, decidiu fazer isso em formato de filme. Eis que nasce Uma Carta para Papai Noel, que chega aos cinemas nesta quinta-feira (14).
A produção, voltada para o público infantil e com ingredientes para ser um programa natalino para a família, tem o roteiro assinado por Gibran Dipp e pelo próprio Spolidoro, que também é o diretor. Para interpretar o Bom Velhinho, foi escalado o ator José Rubens Chachá, que tem como sua companheira Totia Meireles, que vive Maria Noel — a dupla parece muito à vontade e se divertindo no título.
Na trama de Uma Carta para Papai Noel, São Nicolau está desanimado depois de mais uma noite de Natal em que ele entrega trenós e mais trenós de presentes, mas, logo após, cai no esquecimento. Ele queria mais do que apenas receber cartas pedindo presentes. O desejo de Santa era ser notado no restante do ano, que as crianças se preocupassem com ele.
Eis que Jonas (Caetano Rostro Gomes), um menino de oito anos, morador da fictícia Vila Alegre, no Rio Grande do Sul, decide enviar uma carta para Noel, fazendo questionamentos na linha que a filha de Spolidoro fez anos atrás — será que ele gosta de lasanha? Os duendes também ganham presentes? O guri quer saber detalhes da vida do Bom Velhinho. E isso acende a chama que o barbudo vestido de vermelho precisava para voltar à ativa.
Um detalhe importante é que Jonas é um órfão que vive em uma casa de acolhimento ao lado de várias outras crianças. Eles, mais uma vez, não receberam presentes de Natal e vivem em uma realidade com pouco afeto, visto que a diretora do local, Léia (Elisa Volpatto), é uma megera. São Nicolau, então, vem para terras gaúchas, mais especificamente para o orfanato, para investigar o sumiço dos regalos acompanhado de sua ajudante Tata (Polly Marinho) e, claro, começa ali uma conexão com os pequenos moradores.
E a conexão fica mais fluida com as boas atuações do elenco mirim, que não decepciona na dinâmica, e boa parte segura com competência os momentos dramáticos — com destaque para Lívia Borges Meinhardt, que dá vida a Beca. Para chegar na acertada escolha, porém, foram testadas mais de 400 crianças, em um longo processo para encontrar o quinteto protagonista. As filmagens ocorreram em Porto Alegre e em Viamão no ano passado.
Magia e tecnologia
O longa-metragem é uma nova imersão de Spolidoro no universo infantil e infantojuvenil, depois de ter realizado longas experimentais, como o sempre comentado Ainda Orangotangos (2007). Nos últimos anos, em uma guinada de carreira, o cineasta começou a realizar produções como as séries Ernesto, o Exterminador de Seres Monstruosos (2017) e A Velha História do meu Amigo Novo (2018), além do filme que mistura drama, aventura e fantasia Os Dragões (2021).
Para Uma Carta para Papai Noel, o cineasta entendeu que seria necessário inserir uma grande quantidade de efeitos visuais e gravações em chroma-key (fundo verde que permite a inserção de um cenário posteriormente) para simular a magia de São Nicolau — que, na verdade, é bem mais tecnológico do que mágico, utilizando diversos aparatos construídos por Maria para se tornar a figura mitológica das histórias. Para se ter ideia, até mesmo o trenó voa sozinho, sem precisar do auxílio de renas em boa parte do filme.
É evidente que, para um longa-metragem gaúcho e de orçamento que sequer chega perto das grandes produções de Hollywood, o famoso CGI pode soar artificial. Entretanto, ao se levar em consideração que grandes blockbusters como os da Marvel entregam efeitos vergonhosos, Uma Carta para Papai Noel, com suas limitações, cumpre bem o seu objetivo. E o tom onírico adotado pela direção de fotografia, assinada por Bruno Polidoro, ajuda com a verossimilhança. Também como ponto positivo tem a parceria de Fernanda Takai e Arthur de Faria na música-tema do filme, bem como uma versão especial de Sobre o Tempo, do Pato Fu.
O longa-metragem, entretanto, também encontra alguns problemas. O principal deles é na parte do roteiro, que não desenvolve bem os arcos dramáticos. Os impasses aparecem e são rapidamente resolvidos, desde o vazio de Noel, passando por uma desavença com Jonas, até a morte de um personagem importante para a trama. A produção não consegue criar uma conexão para que o público consiga embarcar nestes momentos. A história do principal vilão da trama também acaba não tendo uma conclusão satisfatória ou uma justificativa.
Ainda assim, a mensagem de empatia que Uma Carta para Papai Noel oferece é o ponto alto do projeto, humanizando a figura mítica do Bom Velhinho. O longa-metragem também se favorece da utilização de órfãos como personagens para gerar emoção e atinge o seu objetivo. Ao final, deixa um importante recado para os espectadores, conscientizando sobre a adoção de crianças mais velhas. São Nicolau certamente ficaria feliz vendo isso.