O diretor Christopher Nolan saiu do espaço sideral e do mundo dos sonhos para adentrar de vez um momento histórico cujos acontecimentos são tão absurdos que poderiam muito bem fazer parte de uma ficção científica. Oppenheimer, lançado nos cinemas no último dia 20 de julho, narra a construção da bomba atômica, focando em seu criador, o físico americano J. Robert Oppenheimer, interpretado por Cillian Murphy.
Como simboliza a própria bomba atômica, o filme é recheado de cenas que desafiam nosso senso de realidade — como o momento em que o presidente Harry S. Truman (Gary Oldman) chama Oppenheimer de "bebê chorão", ou quando o alvo da bomba é escolhido banalmente em uma reunião entre autoridades —, mas retrata de forma precisa os fatos da época.
A seguir, GZH mostra o que é verdade e o que é ficção em Oppenheimer, com base nos livros Oppenheimer: O Triunfo e a Tragédia do Prometeu Americano, de Kai Bird e Martin J. Sherwin, e The Making of the Atomic Bomb, de Richard Rhodes.
O que é verdade e o que é ficção em Oppenheimer
Maçã envenenada
No início do filme, acompanhamos Oppenheimer injetando veneno na maçã de seu professor na Universidade de Cambridge. Essa cena é verdadeira. Na época, o então estudante estava sofrendo com a pressão de seu orientador, Patrick Blackett (James D'Arcy), e com a falta de liberdade para estudar o que queria, o que teria motivado o ataque contra o docente.
O longa de Nolan, porém, ficcionaliza o fato de Niels Bohr (Kenneth Branagh) quase ter comido a maçã por engano — em uma cena, o físico dinamarquês visita Cambridge e vai até a sala onde Oppenheimer deixa a fruta, pega-a na mão e chega a aproximá-la na boca. Na verdade, não há evidências de que ele tenha qualquer relação com o acontecimento, apesar de ter tido encontros com o americano ao longo da vida.
Segundo registros, a universidade descobriu que Oppenheimer havia envenenado a maçã antes que o professor a comesse. O estudante quase foi expulso, mas seu pai interveio e ele foi penalizado com sessões de psicanálise.
Relação com Einstein
Albert Einstein (Tom Conti) aparece duas vezes no filme: a primeira, quando Oppenheimer começa a trabalhar no Instituto de Estudos Avançados de Princeton e a segunda anos antes, quando o pai da bomba atômica pede que o alemão revise cálculos sobre a possibilidade da explosão desencadear uma reação na atmosfera que destruiria o planeta.
Ambas as cenas são ficcionais. Oppenheimer e Einstein tiveram vários encontros ao longo da vida, especialmente porque trabalharam juntos em Princeton, de fato, e compartilhavam visões similares sobre controle nuclear, belicismo e paz mundial. Entretanto, não há registros de que eles tenham tido conversas tão profundas quanto as mostradas no filme.
A relação de Oppenheimer e Einstein foi usada por Nolan como um recurso narrativo. Na trama, o físico alemão é retratado como um conselheiro, quase uma figura mágica, que relembra o protagonista sobre seus deveres éticos como cientista.
Encontro com Truman
Outra cena que parece exagero dos roteiristas, mas não é: Oppenheimer realmente se encontrou com Truman após a explosão das bombas atômicas, desabafou sobre sentir suas "mãos sujas de sangue" e recebeu em resposta um lenço do presidente, que se gabou de que a União Soviética nunca construiria uma bomba atômica e, por fim, chamou-o de "bebê chorão". Tudo isso é bem aceito por biógrafos do físico.
Relação com Strauss
A relação de Oppenheimer com o empresário Lewis Strauss (Robert Downey Jr.) é a linha narrativa que conduz todo o filme, mas não foi exatamente como retratada no roteiro. Os dois realmente discordavam sobre a venda de isótopos e sobre a produção de uma bomba de hidrogênio, tanto que o físico chegou a caçoar de Strauss durante uma audiência pública em 1949.
A diferença é que o longa de Nolan dá a entender que o empresário teve certa amizade com o físico, a quem posteriormente traiu — o que não aconteceu. Strauss e Oppenheimer jamais se deram bem e discordavam inclusive em temas de nível pessoal, como judaísmo e visão política.
Tudo isso fez com que Strauss se empenhasse ativamente em tentar destruir a reputação de Oppenheimer, como o filme mostrou corretamente. É ele, de fato, quem está por trás das audiências da Comissão de Energia Atômica dos Estados Unidos que resultaram na revogação da autorização de segurança do pai da bomba atômica.
Reunião para decidir cidade alvo da bomba
A algumas semanas do fatídico 6 de agosto de 1945, quando a bomba apelidada de Little Boy caiu sobre Hiroshima, Oppenheimer verdadeiramente se encontrou com autoridades para decidir o alvo do artefato nuclear. No filme, ao listarem cidades japonesas, o secretário de guerra Henry L. Stimson (James Remar) faz um apelo pessoal para descartar Kyoto por um motivo banal: ele e sua esposa passaram a lua de mel na região. Apesar de não parecer, o pedido aconteceu mesmo fora das telas.
Conforme os documentos da época, o alvo da bomba foi uma escolha militar que considerou cidades que tivessem importância militar e industrial para o Japão e que estivessem relativamente intactas da destruição da guerra, para que o potencial do artefato ficasse evidente. Kyoto atendia aos critérios, mas foi desconsiderada pelo pedido do secretário e também por ser uma cidade com grande importância cultural para o país asiático, o que poderia incitar uma retaliação ainda maior contra os Estados Unidos.
Sabe-se também que a reunião foi bem mais longa do que mostrado no longa e que decidiu, entre outros temas, sobre a necessidade de detonar a bomba, com muitas discordâncias em relação aos impactos científicos e culturais da ação. Oppenheimer realmente defendeu que o governo americano apenas demonstrasse os resultados do teste Trinity para a União Soviética, sem que fosse necessário detonar os artefatos — e também está registrado que, a 11 dias da explosão, ele chegou a enviar uma carta ao governo pedindo que a bomba não fosse usada.
*Produção: Mariana Barcellos