Somente nos últimos 10 anos, três atores diferentes já vestiram o uniforme do Batman no cinema: Christian Bale, no encerramento da trilogia O Cavaleiro das Trevas (2005 – 2012), Ben Affleck, nas produções comandadas por Zack Snyder (2016 – 2021) e, agora, Robert Pattinson, com Batman (2022). Essa volatilidade de intérpretes mostra como o personagem é valioso e precisa estar sempre em evidência — se deu errado alguma versão, pula pra próxima. O público quer ver o Homem-Morcego em ação. E o estúdio quer os proventos da bilheteria. Logo, a conta fecha.
O herói da DC Comics, além dos três astros citados acima, já foi vivido nas telonas e nas telinhas por vários outros artistas, de Adam West a George Clooney, passando por Michael Keaton e Val Kilmer — o personagem ainda figurou em séries recentes, como Gotham e Titãs. A lista de intérpretes é grande. Mas esse Batman de agora, com Pattinson de protagonista e Matt Reeves de diretor, consegue se diferenciar dessas outras inúmeras participações do herói no audiovisual, trazendo uma nova pegada para o Homem-Morcego.
Abaixo, GZH cita alguns pontos que fazem do novo Batman um filme para quem busca uma abordagem que foge do que o subgênero de super-heróis se tornou hoje em dia.
Que una todas as tribos...
Como diria Dinho Ouro Preto, falta uma banda que una todas as tribos, como "Norvana". Pois bem, se está faltando no mundo mais Nirvana, em Batman, não. O roteiro filme, por sinal, foi inspirado no grupo liderado por Kurt Cobain.
De acordo com o diretor Matt Reeves, em entrevista para a revista Empire, a música Something in the Way, faixa do antológico álbum Nevermind (1991) do Nirvana, foi essencial para criar a essência do roteiro do filme, com um Bruce Wayne inspirado por Kurt Cobain.
— Quando eu escrevo, sempre escuto músicas. E, quando estava escrevendo o primeiro ato, Something in the Way começou a tocar. Foi então que me dei conta que, além da versão playboy que já vimos de Bruce Wayne, existe outra versão que passou por uma tragédia e se tornou reclusa. Então, comecei a fazer essa conexão com (o filme) Últimos Dias, do Gus Van Sant, e a ideia de uma versão ficcional de Kurt Cobain em uma mansão decadente — explicou Reeves.
E, de fato, durante o filme, essa imagem de um Bruce Wayne recluso e traumatizado, vivendo com o peso da tragédia em suas costas, é explorado, com uma ótima interpretação de Robert Pattinson. E Something in the Way, claro, toca no filme.
Desespero e poder
Como dito acima, Pattinson consegue transmitir a mensagem proposta por Matt Reeves. No filme, o ator está pálido, com uma energia gótica e, até mesmo, demonstrando medo. E o diretor decidiu oferecer o papel de Batman ao artista após assistir Bom Comportamento, em que o astro interpreta um vigarista que se mete em uma encrenca e precisa correr contra o tempo para salvar o seu irmão.
— Naquele filme, você sentia a vulnerabilidade e o desespero (de Pattinson), mas também sentia seu poder. Achei que foi uma ótima combinação. Ele também tem aquele estilo Kurt Cobain, em que ele parece uma estrela do rock, mas passa o sentimento de que é recluso — explicou o diretor.
E é interessante que o Bruce Wayne de Pattinson não precisa reviver, mais uma vez, a morte dos pais ou a queda na caverna cheia de morcegos, vistas incontáveis vezes no audiovisual. O personagem apresenta aqueles traumas psicológica e fisicamente, deixando subentendido que a origem dele todos já conhecem.
Mas, apesar de não recorrer a flashbacks, o filme não deixa de enfatizar, em paralelos, a história do jovem Bruce. Aqui, porém, a produção dá um passo mais fundo no passado, trazendo pecados de seus antepassados e embaçando a linha que separa um homem bom de um criminoso, deixando a carga para o herói ainda mais pesada.
Caçada ao serial killer
Um pedido frequente dos fãs do Homem-Morcego sempre foi ver o lado detetivesco do personagem em ação. Ele até aparecia aqui e ali em algumas produções do herói, mas nunca foi o ponto principal — a megalomania, para tentar alcançar o maior público possível, sempre prevalecia. Em Batman, apesar de um clímax grandioso, em duas das quase três horas de duração da produção, o que se destaca é a caçada pelo assassino em série Charada (Paul Dano). Um arco semelhante é visto nas páginas de Batman: O Longo Dia das Bruxas (1996 - 1997).
Assim, como bem destacou o colunista de GZH Ticiano Osório, Batman transita entre o terror, o noir dos anos 1940, o filme de serial killer (em especial Seven e Zodíaco, de David Fincher), o thriller político e até a dinâmica das duplas formadas por tiras de estilos divergentes — caminhos pouco ou nunca trilhados pelos cineastas anteriores a Reeves.
Medo
A visão de Reeves para Gotham City também é um ponto a se destacar. O cineasta construiu a cidade de Batman de uma maneira suja, deprimente, com a miséria e a violência por todos os cantos, tudo embrulhado em um clima gótico e uma chuva incessante. Provavelmente, a pegada mais pessimista e dura de toda a franquia do personagem da DC. E isso ajuda a criar a atmosfera de terror proposta no filme — e apesar da degradação do lugar, em diversos momentos, torna-se belíssimo, como quando o vermelho corta a escuridão e entrega um espetáculo visual.
O clima sombrio do lugar permite que ele esteja em todos os lugares, escondido nas sombras, mesmo sem estar. A sua presença se torna uma espécie da paranoia para os criminosos, que olham para a escuridão e temem ver o Homem-Morcego surgindo dela — e quando isso realmente acontece, Reeves faz questão de enfatizar nas pegadas do herói, que fazem um barulho quase como de esporas, como se fosse um pistoleiro do Velho Oeste chegando para levar justiça. Ou vingança.
Início de carreira
Apenas em seu segundo ano de atividades, o Batman de Pattinson está muito mais desprovido da tecnologia que os seus antecessores tinham — nada de Batcartão de crédito ou naves, portanto. O personagem usa uma armadura que, apesar de bem eficaz, não tem a aparência de algo muito sofisticado. É mais dura e simples, com uma máscara de couro.
O mesmo vale para o Batmóvel, que é um carro tunado — inspirado em Christine, o Carro Assassino, obra de Stephen King adaptada ao cinema em 1983 pelo mestre do terror John Carpenter —, e a moto que ele usa, que é um modelo comum (apesar de, provavelmente, ser bem cara). A própria Batcaverna não é espaçosa ou high-tech como vista em outros filmes: é uma estação de metrô abandonada e que lembra mais uma oficina. As inspirações de Reeves vieram das HQs Batman: Ano Zero (2013 - 2014), Batman: Ano Um (1987) e Batman: Ano Dois (1987).
Sem supers
Na trama construída por Matt Reeves e por Peter Craig não existe espaço para super-heróis. Ou seja, não vá para o cinema esperando ver o Superman ou a Mulher-Maravilha. Não tem, sequer, easter eggs destes personagens. O filme é do Batman e com uma pegada que ainda é mais realista que a versão de Christopher Nolan. A história é isolada e contida dentro de Gotham City, onde a máfia, a corrupção e a miséria são os principais problemas.
E os personagens tanto não sabem do conceito de super-heróis, que toda vez que o Batman aparece entre pessoas comuns, elas o olham dos pés à cabeça e o chamam de "criatura esquisita". Não é comum neste mundo alguém vestir uma fantasia e sair por aí fazendo justiça, portanto. Mas isso não quer dizer que o filme não introduza elementos para uma continuação... E o final já desenha bem isso.
Três horas
Além de todos os pontos já citados, outra coisa que chama atenção é a duração. A nova produção do Homem-Morcego conta com quase três horas de projeção — mais especificamente, 2h55min —, o que torna este o filme mais longo do herói.
Todo este tempo, que até pode ser um pouco cansativo, é empregado para desenvolver o personagem, mostrando os seus medos, seus conflitos, mas também as suas habilidades. E sem precisar recorrer a flashbacks. E, assim, Robert Pattinson brilha, entregando um Bruce Wayne mais completo que os seus antecessores.