Adjetivos como "controverso", "desconcertante", "apelativo" ou "polêmico" costumam acompanhar os filmes espinhosos do diretor holandês Paul Verhoeven. É só se lembrar de Instinto Selvagem (1992), que causou furor com suas cenas de sexo e violência. Showgirls (1995) foi mal recebido e criticado pela sexualização e misoginia — embora tenha passado por um revisionismo nos últimos anos. O elogiado Elle (2016) também gerou controvérsia ao abordar o estupro.
Com Benedetta, que chega aos cinemas nesta quinta-feira (13), não é diferente: o cineasta apresenta uma obra que fica entre a blasfêmia e a provocação. O filme adapta o livro Immodest Acts: The Life of a Lesbian Nun in Renaissance Italy, da historiadora inglesa Judith C. Brown, tendo como protagonista a freira Benedetta Carlini (Virginie Efira), que viveu na Itália da Contrarreforma (movimento de reação da Igreja Católica ao avanço do protestantismo pela Europa).
Nascida em 1590, em uma família de classe média, Benedetta entra para o Convento de Madre de Deus, em Pescia, ainda na infância. Quando se torna uma jovem adulta, ela começa a ter visões espirituais e eróticas, nas quais interage com Jesus Cristo. Com seus possíveis dons se manifestando, a freira recebe um status diferente do clero da região — uma santa em potencial. Tanto que é promovida a abadessa.
No entanto, essas visões também lhe afligem fisicamente. Benedetta passa a ser assistida por Bartolomea (Daphne Patakia), noviça que chega no convento fugindo de seu pai e seus irmãos, que a violentavam. Após um estranhamento inicial, aos poucos elas vão se aproximando e construindo uma relação íntima, com muitas descobertas. Ao mesmo tempo que a paixão entre as duas esquenta, os supostos dons de Benedetta também vão se aflorando, e ela vira alvo de desconfiança de colegas do convento e do clero.
Benedetta estreou em 2021 na 74º edição do Festival de Cannes. De imediato, houve quem comparasse o filme com as produções de nunsploitation — subgênero mais trabalhado entre os anos 1970 e 1980 que abordava lesbianismo e perversão em conventos. Apesar das polêmicas, Benedetta foi ovacionado pelo público em Cannes por cinco minutos. Boa parte das resenhas sobre o longa são positivas — conquistou 85% de aprovação no Rotten Tomatoes, site agregador de críticas de cinema e televisão.
Coprodução entre França, Bélgica e Holanda, Benedetta não deixa de ser uma sátira religiosa de Verhoeven, com toda ambiguidade que o cineasta costuma expressar na tela. É só lembrar de Tropas Estelares (1997), sátira subversiva de ficção científica para criticar o fascismo e a xenofobia, mas que foi encarada na época como mero produto de ação "pipoca".
Além de Benedetta trabalhar a relação LGBTQ+ (talvez o ato mais revolucionário de Benedetta seja exigir o seu prazer) e o messianismo, há espaço para breves comentários sobre a Igreja sendo administrada como negócio. Há momentos de cinismo e irreverência, realçando o lado satirista de Verhoeven. Aqui vemos uma protagonista ambígua: não fica clara a sinceridade de sua fé ou de seus dons. Estamos assistindo a uma falcatrua? Quem sabe. À medida que o filme avança, mais escorregadia a freira se apresenta. Méritos para a atuação abençoada de Efira.
Farsa ou milagre, Benedetta deixa em aberto suas possibilidades. É mais do que uma sátira cuja finalidade é chocar apresentando freiras em situações sexuais. É um drama sinuoso e substancial, que realiza um estudo de personagem consistente. Também é um filme que só Verhoeven poderia fazer.