Selecionado pelo Brasil para tentar uma vaga entre os candidatos ao Oscar de melhor filme internacional, Deserto Particular chega aos cinemas nesta quinta-feira (25). No último domingo (21), venceu no Festival Mix Brasil de Cultura da Diversidade o prêmio de melhor longa-metragem brasileiro pelo júri da mostra, além de conquistar a categoria de melhor atuação pelo trabalho de Pedro Fasanaro.
O longa tem rodado o circuito de festivais internacionais e acumulado reconhecimento: foi o melhor filme internacional no The Tel Aviv Internacional LGBTQ Film Festival e recebeu o Prémio Camilo (conferido ao melhor longa com tema LGBT+) no Festival de Huelva - Cine Iberoamericano. Em setembro, recebeu o Prêmio do Público da mostra Venice Days, na 78ª edição do Festival de Veneza, onde foi aplaudido por alguns minutos.
Agora, Deserto Particular aguarda o anúncio, em 21 de dezembro, da shortlist do Oscar com os 15 longas que seguem na disputa na categoria de melhor filme internacional. A divulgação da lista final, com os cinco filmes escolhidos para concorrer à estatueta, está prevista para o dia 8 de fevereiro de 2022. A cerimônia de entrega dos prêmios será em 27 de março.
Para o diretor de Deserto Particular, Aly Muritiba, ter seu filme escolhido para representar o Brasil é uma honra muito grande, mas o cineasta frisa que o Oscar é o prêmio da indústria americana, que se volta mais para produções com maior poderio financeiro de campanha. De qualquer maneira, ele foi aos Estados Unidos realizar a divulgação do longa para tentar entrar na shortlist.
— Se dia 21 de dezembro, apesar de todos os esforços, meu filme não estiver na lista, tudo certo. Já foi lindo demais. Já deu visibilidade a essa produção, o que acho tão importante neste momento. Já chamou atenção para uma outra narrativa, para um outro Brasil. Esse Brasil que se vê na mídia internacional é um Brasil do ódio, da destruição da Amazônia, do desrespeito aos direitos humanos. Aí, de repente chega um filme que fala: "Ó, tem um Brasil que está propondo outra coisa, que está propondo afeto, amor, resistência e existência" — pondera o diretor.
Aos 42 anos, Aly Muritiba tem tido uma carreira de destaque na última década. Ele dirigiu filmes como Para Minha Amada Morta (2015), Ferrugem (2018) — por este, recebeu o Kikito de melhor longa brasileiro no Festival de Gramado de 2018 — e a badalada série Caso Evandro, do Globoplay. O cineasta lançou Jesus Kid no Festival de Gramado deste ano, conquistando o prêmio na categoria de melhor direção. No segundo semestre de 2022, ele começa a rodar Barba Ensopada de Sangue, adaptação do livro homônimo do escritor Daniel Galera.
Natural de Mairi, interior da Bahia, Muritiba é radicado em Curitiba (PR). No entanto, Deserto Particular segue uma viagem que percorre o caminho contrário da trajetória do diretor: parte da capital paranaense para Sobradinho (BA). O cineasta quis trazer ao filme movimentos de sua vida, tanto que os dois protagonistas representam Muritiba em diferentes fases da vida.
A trama começa centrada em Daniel (Antonio Saboia, de Bacurau), um policial afastado do trabalho após ter agredido um colega. Solitário e de poucas palavras, ele cuida de seu pai com Alzheimer. O que lhe faz sorrir é interagir pelo WhatsApp com Sara, que mora no sertão da Bahia, por quem é apaixonado. Eles nunca se conheceram pessoalmente. Frustrado com sua vida, ele decide pegar a estrada rumo ao Nordeste quando Sara não responde ou atende mais. Mais para frente, surge Robson (Pedro Fasanaro), que também se torna personagem importante no filme.
Em Deserto Particular, Muritiba trabalha com a afetividade masculina. Assim como Para Minha Amada Morta e Ferrugem, o longa é protagonizado por um homem heteronormativo que tem dificuldade de expressar suas emoções e sentimentos e, por conta disso, faz mal a si e às pessoas ao seu redor. Organicamente, temáticas de gênero e identidade também desembocam na trama. De qualquer maneira, Muritiba tem ressaltado que é um filme sobre amor, mas não necessariamente o amor romântico:
— O filme começa como uma história de paixão, mas termina como uma história de amor mais transcendente, que é o amor completo. Amor que não aprisiona, que é capaz de deixar ir. Que liberta. Que possibilita ser feliz com a felicidade do outro. "Eu te amo e está tudo bem se você partir".
Tanto Fasanaro quanto Saboia se sobressaem em suas atuações. O primeiro se guia pela emoção, ora em atitudes mais retraídas, ora se transformando no oposto — confiante e seguro de seu corpo. Já Saboia entrega um Daniel sempre inquieto e inseguro, sorumbático e desamparado. Muritiba define esse comportamento do personagem como "bovino".
— Eu dizia para o Saboia: "Imagina que você tem um touro muito brabo dentro de você e ele não cabe no teu corpo, está querendo sair, mas você não quer deixar". Pedi para ele malhar muito, comer bastante sanduíche, porque eu queria um cara fortão, barrigudinho (risos) — relata o diretor.
Sobre a repercussão de Deserto Particular em festivais, Muritiba sublinha:
— Apresentar essa narrativa emocional, amorosa e afetiva é um respiro. Depois de quase dois anos trancadas em casa, acho que as pessoas querem sair da sala de cinema com o sentimento de catarse. Eu não diria que é um filme de afeto, mas sim um filme que afeta (risos). Estive em sessões de Deserto Particular pelo mundo, e as pessoas saem impactadas pelo filme.