Por Ana Nejar
Jornalista, estudante de Psicanálise do Círculo Psicanalítico do Rio Grande do Sul (CPRS)
Existe uma sabedoria em cada um de nós capaz de absorver a experiência de acordo com a maturidade emocional. Como se o aprendizado independesse da idade cronológica. O impacto da releitura de um livro, a alegria na audição de uma nova versão musical ou a surpresa do arrepio ao se rever um filme antigo. A Árvore da Vida, de Terrence Malick, é um exemplo de que algumas obras rejuvenescem conforme o espectador amadurece.
Lançado há uma década, em 2011, o filme recebeu a Palma de Ouro no Festival de Cannes. A narrativa explora a angústia do sujeito, a ambivalência dos afetos, a morte a rondar, a relação do homem com sua fé e seu deus, o complexo de Édipo, a saudade contida e o sentimento de culpa, tudo o que envolve o viver.
E por que revê-lo agora? Porque estamos diante de uma pandemia, a encarar uma crise mundial de saúde e econômica na qual eclodem as mesmas inquietações de nossos antepassados, repletos de dúvidas. Temos o benefício do avanço científico e da tecnologia a nos possibilitar o acesso ao conhecimento, ainda assim morremos pela fome, pela miséria, e buscamos respostas.
Então, o que as mais de duas horas de cinema poderiam nos dizer, além do óbvio? Que o amor é a saída, que devemos aprender a viver o agora, que devemos perdoar os outros pelas suas falhas e nos conformarmos com as injustiças terrenas (muitas vezes atribuídas a uma maldição divina)? Os diálogos em off nos alertam para o que parece clichê nos momentos de agonia e desespero.
Malick escancara a ambiguidade que carregamos, como seu protagonista, o jovem Jack, interpretado maravilhosamente por Hunter McCracken, e substituído na fase adulta por Sean Penn. Jack é o primogênito da família O´Brien, moradora de Waco, no Texas (EUA).
De filho amado e esperado, Jack tem seu reinado comprometido com a chegada do irmão Steve. A sanha inicial à vinda do irmão logo dá lugar ao companheirismo. Sentimento que se dissolve em raiva cada vez que Jack se sente cobrado indevidamente pelo seu pai, o rígido Sr. O´Brien (Brad Pitt).
É primordial estabelecer um cuidado redobrado nessa etapa infantil. Como a criança encara a chegada do irmão? A perda do lugar no berço, da atenção exclusiva da mãe, como se o afeto diminuísse em altura para fazer o intruso crescer.
Malick expõe essa relação com clareza, nos momentos em que o irmão mais velho fere o mais jovem e, depois, arrependido, pede que o menor lhe bata. Ainda que reserve a alegria para dividir nas brincadeiras, que são evocadas recorrentemente, sobretudo dos três irmãos com a mãe amorosa (Jessica Chastain é a Sra. O´Brien), ora lendo para os meninos, ora os empurrando num balanço, amor e ódio sustentam o sujeito de modo pendular.
Uma das frases dirigida à mãe, “qual dos três você ama mais?”, evidencia a disputa. É certo que todas as mães já foram emparedadas por essa questão, exceção às de filho único. A seara edípica na qual somos enredados se sobressai no drama.
O filho tritura as emoções conflitantes diante da figura paterna, tem pensamentos que o levam ao desespero. Ao ver o pai consertando o carro, Jack entende que seria fácil um parricídio apenas puxando a alavanca do equipamento que mantinha o veículo suspenso.
O menino também se sente confuso ao vislumbrar a mãe de lingerie pelo quarto. É tomado por um descontrole, rouba uma peça íntima de uma vizinha adolescente. O que está reprimido é o que dói.
Desejar a morte do pai, desejar a morte do irmão. Amar uma mãe de maneira terna e ao mesmo tempo sensual. E se os desejos se tornarem realidade? Jack se questiona.
Como conciliar o conflito psíquico?
Na cabeça de um adolescente borbulham porques, geralmente uma tentativa de rejeitar o corpo físico alterado sem que o avanço emocional opere na mesma velocidade. Se aplacar uma dor e uma angústia as quais não se sabe nomear já é duro para quem já empilha rugas, imagine a um jovem.
Quando a morte se aproxima, coloca em xeque toda fé cristã de Jack. Desmorona ali sua crendice de que a maldade só ataca quem a procura. Começa seu enfrentamento com a certeza e obsessão paterna pelo perfeccionismo.
Porém, nada é mais devastador do que a perda de Steve, morto aos 19 anos. A mãe desaba, o pai encara outro luto (somado à perda do emprego, à mudança de casa, abriu mão do sonho de ser um pianista para assumir a família e o american way of life). A morte que confronta a religiosidade dessa vida. Desacreditar seria confessar seu pecado.
Malick faz com que viajemos na evolução do planeta, desde a era dos dinossauros, passando por músicas e imagens belíssimas até alcançar Jack em gestação – ele é arremessado metaforicamente no parto a partir de uma casa submersa rumo à superfície, ao viver, essa indefinição. Um filme indispensável, que não traz respostas, apenas nos deixa uma pista, a de que temos uma escolha: a vida pela graça ou pela natureza.