Por Felipe Pimentel
Psicólogo e historiador
As palavras que ganham evidência em cada momento não surgem à toa. E vêm anunciar algo que circula, consciente ou inconscientemente, na experiência cotidiana das pessoas. Por vezes, são palavras que nomeiam algo com o qual as pessoas estão envolvidas intensamente, noutras indicam algo que as pessoas sentem falta e almejam. Uma dessas palavras na atualidade é conexão. O Fronteiras do Pensamento, todo ano, aborda uma temática relevante da contemporaneidade e, em 2021, traz a Era da Reconexão. Por quê?
A mesma globalização que defrontou a humanidade com suas próprias semelhanças e diferenças nos fez encarar, pela primeira vez, um fenômeno compartilhado por toda a espécie humana. Com maior ou menor intensidade, as mais distintas regiões do mundo irmanaram-se, talvez forçosamente, na luta conjunta contra a pandemia do coronavírus. O mundo pareceu, num certo sentido, encolher.
Essa conexão estreita da população mundial nos assustou com a rápida disseminação da doença e com a restrição das possibilidades de “fuga”. Nós nos sentimos impotentes e com o narcisismo ferido (como podemos visitar Marte se nos sentimos incapazes diante de um vírus?). Por outro lado, nossa conexão nos trouxe esperanças: países que se “curam”, trabalhos conjuntos de cientistas multinacionais, vacinas que circulam pelo mundo (aos poucos, vencemos os medievais e no mapa-múndi começam a brilhar pontos de otimismo).
A todos esses sentimentos, somaram-se e somam-se vários outros, menos coletivos, mais pessoais: as dúvidas que surgiram sobre como vivemos, como dormimos, como trabalhamos, como aprendemos, como amamos e como nos relacionamos. São perguntas tão difíceis, e, na realidade, nós muitas vezes as escondíamos para seguir nossa rotina, nosso trabalho, nossas decisões. Porém, a pandemia nos fez topar com elas de modo cabal. Como cuidamos da nossa casa? Que atenção dávamos para os nossos? Como separamos o trabalho da vida pessoal? Queremos um cachorro? De quem sentimos falta? Ou pior: de quem não sentimos falta? E por quê?
No horizonte, a maior angústia atingiu nossa saúde e a dos nossos. Nossos temores mais originários, adoecimento, perdas. Se ultrapassamos até aqui esse turbilhão, o fizemos, todos, com perdas reais, físicas, simbólicas e imaginárias. E não há filósofo que não saiba que, diante da angústia da morte (a própria ou a do próximo), todos nos perguntamos: do que é feita minha vida? Qual é minha obra?
Por certo, independentemente de quando isso acabar e como acabar, já fomos jogados a uma reconexão. Pelo menos, a uma desconexão. Estávamos vinculados a uma certa rotina automática e a determinadas decisões que pareciam necessárias e inexoráveis. E tudo isso foi trepidado. Insegurança nas finanças, dúvidas subjetivas e angústias pessoais nos assolam, mas também abrem espaço para nos reconectarmos com uma reavaliação de nossa vivência: velhos anseios adormecidos, projetos abandonados, valores esquecidos, prioridades perdidas na névoa da necessidade cotidiana. Será que viveremos daqui em diante um momento de reconexão? E seria tão longo como uma – era?
Independentemente de quando isso acabar e como acabar, já fomos jogados a uma reconexão.
Sobre que bases construiremos nossas respostas a essas dúvidas? Teremos mais estofo, mais saúde mental, mais filosofia, mais reflexão para elaborarmos as nossas respostas? Ou estaremos exaustos e esvaziados de fundamentos? O novo mundo que se anuncia será igual ao que era antes? Uma reconexão ou uma nova conexão? Teremos evoluído individualmente ou coletivamente? O caminho do virtual é um ponto sem volta?
Até lá, temos vivido em um mundo, aparente e ironicamente, superconectado. Inclusive é uma das palavras que mais ouvimos: “já conectou?”, “minha conexão está ruim” ou mesmo “minha conexão caiu”. Uma névoa se abateu sobre os nossos olhos. Ela já se anunciava, mas nublou tudo de vez: nossa vida foi virtualizada, os encontros, digitalizados e a comunicação, traduzida em bytes. A vida em 2D da internet se imiscuiu na nossa visão e na nossa subjetividade, não à toa vinculando-se às disputas políticas, lentes suficientemente unidimensionais para compreender a experiência humana. O algoritmo julga nos conhecer, mas só conhece o lado que mostramos ali, exatamente onde jogamos o nosso lado mais projetivo e parcial de nós mesmos.
Neste ambiente virtual no qual, se estivéssemos realmente tão engajados e conectados, não nos sentiríamos tão desamparados e viciados. Neste lugar de promessas de expressão onde tudo parece tão igual e repetido. Não maltratemos tanto, porém, a nossa tecnologia: ela nos permitiu até aqui que mantivéssemos o contato possível com os nossos e, por certo, é aí que reside o principal sonho de reconexão que nos espera: o reencontro pleno, livre de receios, com aqueles que amamos. Essa era – nós esperamos que dure muito.