Após meses de espera, o live-action Mulan estreou em 4 de setembro no serviço de streaming da Disney nos Estados Unidos. As primeiras avaliações foram boas e tudo aponta que o filme deve agradar aos que cresceram assistindo à animação. Atualmente, a obra está com 77% de aprovação no Rotten Tomatoes.
O longa, contudo, não tem atraído somente atenção positiva. Ativistas asiáticos e fãs criticaram diversos pontos da obra, com critérios que vão desde a ausência do personagem Mushu até a defesa da polícia de Hong Kong por parte da atriz principal, Liu Yifei. Confira as principais críticas ao filme abaixo:
Ação policial em Hong Kong
Em junho de 2019, uma onda de protestos foi registrada em Hong Kong. As manifestações ocorriam em contrariedade a um projeto de lei que permitia a extradição dos habitantes da ilha para a China. O texto, no entanto, foi apenas o estopim para ativistas denominados pró-democracia, que pediam desde a renúncia do chefe do poder executivo local, Carrie Lam, até a independência da região. Hong Kong faz parte do território chinês, embora possua maior autonomia política desde que deixou de ser colônia do Reino Unido, em 1997.
É nesse contexto que uma das primeiras polêmicas envolvendo Mulan se desenvolve. A atriz responsável por interpretar a protagonista, Liu Yifei, defendeu a polícia de Hong Kong. Na época, a instituição foi acusada de agir violentamente contra manifestantes. “Eu apoio a polícia de Hong Kong. Vocês podem me atacar agora. Que vergonha para Hong Kong”, escreveu a artista.
Por conta do comentário de Liu Yifei, iniciou-se um movimento pelo boicote ao filme. No dia do lançamento, as críticas foram retomadas. Internautas também apontam que a Disney teria censurado e ajustado seus roteiros para que os filmes possam ser distribuídos na China.
"Este filme será lançado hoje. Mas porque Disney se curva a Pequim e porque Liu Yifei endossa abertamente e orgulhosamente a brutalidade policial em Hong Kong, chamo todos os que acreditam nos direitos humanos a #BoicotarMulan", escreveu o ativista pró-democracia Joshua Wong no Twitter. "Liu não é uma vítima pega no meio de um fogo cruzado político. Nem é um ícone do feminismo se ela ignora o sofrimento de manifestantes mulheres. Ela é, na verdade, um ícone de autoritarismo traindo os valores que Hollywood pretende defender", acrescentou.
Créditos finais
Após a estreia do filme, internautas apontaram que os créditos finais da produção agradecem a agências governamentais chinesas que proporcionaram a filmagem na província de Xinjiang, palco dos campos de reeducação destinados a muçulmanos. O local, que é povoado por maioria muçulmana, foi descoberto como cenário de violações aos direitos humanos realizadas pelo governo chinês. As vítimas muçulmanas, os uigures, afirmaram ter passado por campos de detenção, onde foram esterilizados, tiveram de realizar trabalhos compulsórios e receberam doutrinações políticas.
O governo, por outro lado, declara que os campos de detenção são parte de um plano para acelerar a economia local e apaziguar a região. Oito dessas instituições estão na lista de agradecimentos do filme, assim como o departamento de publicidade do Partido Comunista Chinês, que divulga o sistema.
"Por que a Disney precisava trabalhar em Xinjiang? Não precisava. Existem muitas outras regiões na China e países ao redor do mundo que oferecem o cenário montanhoso absolutamente belo presente no filme. Mas, ao fazer isso, a Disney ajuda a normalizar um crime contra a humanidade", defendeu o colunista do Washington Post, Isaac Stone Fish.
Distribuição e escolha da diretora
O filme não será exibido mundialmente, o que impede que cinemas dessas regiões lucrem com a venda de ingressos. A decisão não foi bem aceita por todos. No início de agosto, o vídeo de um dono de cinema parisiense destruindo um cartaz do filme viravirou nas redes sociais.
— Permanecer aberto neste momento é um grande esforço para a maioria de nós (donos de cinemas), mas estávamos assumindo que haveriam alguns lançamentos de filmes ambiciosos nas próximas semanas. Ao perder Mulan, perdemos a possibilidade de oferecer ao nosso público um filme tão esperado que teria nos ajudado após essas últimas semanas difíceis. Também é uma má mensagem para enviar ao público (que esperava um lançamento nos cinemas) — explicou Gerard Lemoine ao site Deadline.
A escolha de Niki Caro, natural da Nova Zelândia, como diretora também gerou polêmica. Críticos questionaram se a cultura representada no longa não seria melhor contemplada sob condução de uma pessoa chinesa. Em entrevista ao Hollywood Reporter, ela replicou que a produção seguirá a "cultura da Disney":
— Embora seja uma história chinesa importante e esteja ambientada na cultura e na história chinesa, há outra cultura em jogo aqui, que é a cultura da Disney. E a diretora, quem quer que fosse, precisava ser capaz de lidar com ambas, e aqui estou eu.
Apesar da declaração, a diretora contou com uma série de consultores da China, uma vez que a história não apenas é ambientada no país, como é inspirada na lenda chinesa A Balada de Mulan, a qual chegou à posterioridade como um poema narrativo, que remonta ao século 6.
Ausência de música e personagens animados
Um dos fatores que geraram insatisfação por parte dos fãs foi a ausência do companheiro de Mulan, o dragão Mushu. Considerado um dos personagens mais icônicos na animação, ele foi substituído no live-action por uma fênix, que representa os ancestrais da personagem principal. Em entrevista ao USAToday, Niki Caro revelou o motivo para não ter introduzido Mushu:
— Nós nos inspiramos muito pelo o que o Mushu acrescentou à animação, que é o humor e a leveza. O desafio foi trazer esse elemento aos relacionamentos reais da Mulan com seus colegas soldados. Além de ser um dos personagens mais amados da animação, Mushu era o confidente da Mulan. Parte do motivo de criar um live-action é se comprometer com o realismo da jornada da protagonista, e ela precisava fazer essas conexões com os colegas soldados. Definitivamente nos dedicamos a essa parte da história.
A ausência de músicas, por sua vez, foi justificada pela ideia do realismo na trama.
— Não tendemos a cantar quando entramos em guerra — afirmou, em uma apresentação do filme à imprensa.