Ex-território britânico, Hong Kong passa por uma convulsão social nas últimas semanas. Entenda o motivo do braço-de-ferro entre o governo chinês e o movimento pró-democracia do território.
Por que as pessoas estão protestando em Hong Kong?
Desde o início do ano, movimentos pró-democracia em Hong Kong têm feito demonstrações contra o governo chinês. Ponto central é a divergência entre os ativistas e Pequim sobre sistema de escolherá o líder da cidade nas próximas eleições.
A China tinha prometido à população de Hong Kong, cujo chefe do Executivo é escolhido por um colégio eleitoral composto por cerca de 1,2 mil pessoas, que seus cidadãos poderiam eleger o líder do território em 2017. Em agosto, porém, Pequim decidiu que os aspirantes ao cargo vão precisar do apoio de mais de 50% de um comitê de nomeação para concorrer à eleição e que apenas dois ou três candidatos serão selecionados.
Ou seja, a população de Hong Kong exercerá o seu direito de voto, mas somente após o que os democratas chamam de "triagem". A reforma proposta precisa ser submetida ao Conselho Legislativo de Hong Kong, o parlamento local, e aprovada por dois terços dos 70 deputados, dos quais 27 pró-democratas anunciaram compromisso com o veto.
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Mas Hong Kong não é uma cidade chinesa? Não é obrigada a obedecer o governo central?
O problema remete ao século XIX, durante a corrida imperialista entre as potências europeias. A China de então perdeu partes do território após sucessivas derrotas militares. Uma delas foi Hong Kong, que ficou sob domínio da Grã-Bretanha por 150 anos. Era preciso, por exemplo, de um passaporte para que um chinês entrasse no território britânico, que fica no sul da China e tem atualmente 7,2 milhões de habitantes. Desde que o Reino Unido devolveu Hong Kong à China, em 1997, o território é regido pelo acordo "um país, dois sistemas", que dá maiores liberdades civis, entre elas a liberdade de expressão e protesto.
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Como assim "um país, dois sistemas"?
Com o passar do tempo, Hong Kong se tornou a "menina dos olhos" do livre-mercado. A cidade alcançou a prosperidade econômica e se tornou umas das bolsas mais importantes da Ásia. Embora a cidade fosse uma colônia inglesa - incapaz, portanto, de escolher os representantes do Executivo -, os habitantes gozam da liberdade individual como na tradição ocidental. A imprensa é livre, assim como o direito ao protesto.
Desde 1997, tem o status de região administrativa especial e goza, a princípio, de uma ampla autonomia em virtude do modelo "um país, dois sistemas".
Apesar da maior liberdade econômica e da prosperidade das últimas décadas, o regime chinês se autodenomina comunista. Grosso modo, em termos políticos, isso significa que o país é governado por um partido único, no qual as lideranças não são escolhidas pelo voto popular. Na China, a imprensa é censurada e existe um complexo sistema para bloquear informações na internet do país. É impossível, por exemplo, encontrar informações sobre o famoso massacre da Paz Celestial, em 1989, em uma busca no Google.
Depois de tantos meses de protestos pacíficos, por que a escalada de violência e repressão?
A queda de braço com a China se manteve ao longo do tempo e nenhum dos lados parece disposto a ceder. A escalada começou no dia 1º de julho (data em que antiga colônia britânica foi devolvida a Pequim), quando uma manifestação chegou a reunir 500 mil pessoas. O medo de perder as liberdades civis é a força que move os manifestantes.
O "Occupy Central", que é o mais expressivo entre os movimentos civis pró-democracia, mobiliza milhares de ativistas para paralisar o bairro de negócios de Hong Kong se Pequim insistir em seu projeto. O grupo convocou um movimento de desobediência civil e, na última sexta-feira, durante um protesto em frente à sede do governo, a polícia reagiu com violência. Em resposta, de maneira semelhante ao que aconteceu no início dos protestos de junho do ano passado no Brasil, no sábado e no domingo, outros moradores da cidade saíram às ruas em apoio aos manifestantes.
E agora, o que vai acontecer?
São muitos os cenários possíveis. O principal ator, no caso, é governo chinês. O medo dos moradores de Hong Kong é que a mudança nas regras da eleição de 2017 seja o prenúncio de um autoritarismo cada vez maior no território e a diminuição das liberdades com as quais seus habitantes estão acostumados.
O maior temor da comunidade internacional é que a escalada do conflito leve à repetição do massacre de 1989, quando mais de 2000 jovens chineses morreram em uma manifestação pela democracia em Pequim. Historicamente, a China tem problemas com diversos movimentos separatistas. Se flexibilizar o "pulso" no caso de Hong Kong, outros movimentos, como o do Tibete, podem se sentir encorajados a enfrentar o governo central. Por outro lado, ao longo dos últimos anos, a China vem se reaproximando de Taiwan - considerado por Pequim um território chinês - com o objetivo de reunificação do país. Uma reação violenta poderia comprometer a meta ao criar em Taiwan a ideia de que os dois sistemas jamais poderão conviver no mesmo país.
Drone mostra os manifestantes na cidade