Taciturno e solitário, Pedro é um enfermeiro de 70 anos que se move a passos arrastados pelos corredores do hospital onde trabalha, respirando pesadamente. Parece sempre perdido, sem convicção nas suas atitudes, com uma entonação mansa e hesitante. Tudo muda quando se envolve intimamente com algum parceiro. Ele se liberta e suplica soltando um grito entalado na garganta:
— Me chama de Greta Garbo!
Levando no título o nome da lendária atriz sueca que fez carreira em Hollywood, Greta entra em cartaz nesta quinta-feira (10) e traz uma atuação primorosa de Marco Nanini, protagonista do drama. Dirigido por Armando Praça, que estreia na realização de um longa, o filme cearense é inspirado no espetáculo Greta Garbo, Quem Diria, Acabou no Irajá, do dramaturgo Fernando Melo, lançado no início dos anos 1970. Porém, Armando desviou-se da montagem caricata e datada para retratar um personagem gay e explora mais a humanidade de Pedro.
— Quando conheci o texto em 2008, me incomodou muito que as pessoas estivessem rindo do Pedro. Isso gerou em mim um desejo de adaptar o texto, mas levando a sério os anseios e desejos do personagem, provocando empatia no espectador e não mais o riso — explica Armando.
Greta inicia com Pedro procurando liberar uma vaga no hospital onde trabalha para Daniela (Denise Weinberg), sua única amiga, que está em estado terminal. Para salvá-la, Pedro ajuda Jean (Demick Lopes), um criminoso ferido e algemado. O enfermeiro o auxilia na fuga e o hospeda em seu apartamento. De maneira gradativa, os dois se envolvem afetivamente, iniciando uma relação de dependência emocional para Pedro. Com a iminente perda de sua única amiga, o enfermeiro fã de Greta Garbo tende a lidar com sua solidão, apegando-se a Jean.
Até hoje relacionado ao correto Lineu, de A Grande Família, Nanini se entrega ao personagem em uma interpretação visceral, despindo-se e realizando cenas de sexo. O ator é coração e corpo em Greta.
— Essas sequências de nudez e sexo nunca foram uma questão para Nanini. Tivemos muita tranquilidade para fazer as cenas, sem nenhum tabu. Houve o cuidado de filmar da maneira mais elegante, que servisse ao filme, que não fosse simplesmente um fetiche de expor um ator nu na tela — justifica o diretor. — Sou muito grato ao Nanini por ter me deixado completamente à vontade — acrescenta.
Essas cenas de nudez acabam auxiliando a desvendar mais o estado o emocional de Pedro. É um personagem que deseja amar e ser amado, sem que a velhice seja um empecilho. Um desejo construído pelo medo da solidão.
— Pedro tem essa necessidade tão forte dentro de si, que ele acredita ainda ser possível. Mesmo que isso envolva algum risco ou se apaixonar por um cara mais jovem e perigoso — destaca Armando.
Através de Pedro, o diretor transmite a ideia de que o amor pode acontecer em qualquer momento, em qualquer idade ou circunstância. Para o enfermeiro, resta assumir os riscos que esse encontro traz consigo.
Ancine
Em setembro, a Ancine rescindiu o apoio financeiro para a participação de Greta e Negrum3 no Festival Internacional Queer Lisboa. A agência justificou que houve um corte de R$ 13 milhões nas despesas gerais. Haveria uma ajuda de custo de R$ 4,6 mil para a produção dos longas. Para Armando, que compareceu ao evento apesar do veto, há uma perseguição a determinados segmentos da sociedade — como educadores, minorias e artistas.
— É muito decepcionante ver o próprio governo criando formas de impedir que um filme brasileiro, feito com recurso público, para ter destaque e divulgação internacional. Muito estranho ver esse autoboicote do governo com seu próprio cinema. Compreendemos que as forças ligadas ao governo não tenham interesse que um filme como o meu seja divulgado. Entendemos também como uma censura, ainda que não seja institucionalizada. Uma tentativa que esses assuntos (temática LGBT+) não venham à tona — diz o diretor.
Greta
- De Armando Praça
- Drama, Brasil, 2019
- Sessão especial nesta quinta-feira (10) no CineBancários, às 19h, com presença do diretor, que participa na sequência de um bate-papo com o público ao lado do jornalista e crítico de cinema Roger Lerina