Tanto em espanhol quanto em português se define como formigamento (ou "hormigueo") a sensação de desconforto que toma conta de uma parte do corpo cuja circulação foi reduzida por certo tempo quando o sangue volta a fluir.
Por isso, é bastante preciso que o filme costa-riquenho El Despertar de las Hormigas, exibido na noite de terça-feira (21) na mostra competitiva de longas estrangeiros, no Festival de Cinema de Gramado, se valha de formigas, literal e metaforicamente, para retratar uma mulher que precisa lidar com o desconforto de estar sufocada pelas exigências de um casamento em uma sociedade desigual.
Dirigido por Antonella Sudassassi e exibido no Festival de Berlim do ano passado, o filme enfoca Isabel, ou Isa, como seus familiares a chamam (interpretada por Daniela Valenciano em uma atuação que se credita com facilidade ao prêmio de melhor atriz na categoria). Aos 28 anos, ela é casada com Alcides (Leynar Gomez) e tem duas filhas pequenas.
A pressão familiar, contudo, ainda que simpática e sutil, é para que o casal tenha um terceiro filho, quem sabe um varão, ideia que não desagrada ao pai, mas a Isabel sim. Sem contar para o marido, ela começa a tomar pílulas anticoncepcionais, prenunciando um futuro conflito.
Executado em planos longos e contemplativos que constroem com sutileza e cuidado a atmosfera doméstica do lar de Isabel, O Despertar das Formigas ganha pontos por não se render aos desfechos mais melodramáticos e evitar os maniqueísmos.
Alcides, o marido, não é um abusador ou um homem violento, pelo contrário, é um sujeito pacato e comum que ama a esposa e as filhas, mesmo sem perceber que seu amor é pautado por ideias que já estão envelhecendo, como a supervalorização dos filhos homens ou a ideia de que Isa e as filhas deveriam usar os cabelos muito longos como marcadores de gênero bem estabelecidos.
Numa das cenas mais bonitas do filme, aliás, a rebelião de Isa se estende às filhas, de quem ela aceita cortar os cabelos. É um filme belo e que põe em discussão com sua estrutura aparentemente simples questões ainda urgentes em várias partes da América Latina.
