"Nants ingonyamaaaaaaaaa bagithi baba..."
Assim que o cântico africano anuncia o início do filme, chama a atenção que o sol avermelhado não surge exatamente centralizado, iluminando a cena como na animação de 1994, mas como um círculo distante no horizonte.
É com esse nível de chatice que estamos lidando ao falar da adaptação para "live-action" de O Rei Leão (2019), que estreou nesta quinta-feira (18) nos cinemas . A principal diferença entre essa e as adaptações anteriores de sucessos da Disney não é a ausência completa de atores de carne e osso, mas a devoção ao material original, uma animação cujas crianças de outrora sabem enquadramentos, diálogos e músicas de cor e salteado.
Ao menos para os adultos, a experiência no cinema se torna mais um check-list do que ficou bom do que um entretenimento genuíno com a narrativa na tela. É como se assistíssemos a uma peça de teatro baseada na animação se animais tentassem encená-la da forma mais fiel possível. E nem sempre a experiência é satisfatória, por mais que a Disney se esforce.
Muito dessa impressão se dá porque os produtores fizeram uma opção corajosa: afora o ato de falar, os personagens se comportam como se fossem animais de fato. Isso reforça a ideia de "live-action", como se os animais estivessem sendo filmados interagindo na natureza, e não criados e animados em telas de computador.
Se por um lado dá naturalidade ao filme, por outro a opção requer sacrifícios. Os mais notáveis são as cenas musicais originais, por motivos óbvios: hienas, no seu habitat natural, não marcham como soldados nazistas, leões e javalis não usam cipós e suricatos não dançam ula ula. Portanto, a maior parte das canções parece sempre atingir algo como 60% do impacto dos números originais. Por melhores que sejam as vozes — e estão todas ótimas, ao menos na versão no idioma original —, seus principais intérpretes na tela são leões e, infelizmente, eles não fazem muito mais do que andar e correr de um lado para o outro.
Por esse mesmo motivo, as melhores cenas do filme de 2019 são justamente aquelas que, no desenho de 1994, se aproximam do animalesco. São particularmente notáveis, na nova versão, o estouro da manada de gnus que atropela Mufasa e o embate final entre Simba e Scar, trocando patadas na Pedra do Rei.
A adaptação de O Rei Leão é, portanto, o melhor e mais realista possível, mas raramente se aproxima do impacto da versão original. Curiosamente, um dos momentos em que isso acontece é em um enxerto de originalidade: uma forma mais bonita e inusitada com que Rafiki descobre que Simba está vivo. É uma das poucas cenas em que as lágrimas enchem os olhos legitimamente pelo que se vê na tela, e não pela memória afetiva que ela evoca.