Mi Mundial, filme exibido na noite de terça-feira (22), é, entre os competidores desta mostra, o que mais se aproxima do que o mercado norte-americano chama de um "feel good movie", – sem demérito na comparação, mas há ali uma preocupação em desenhar um arco rápido de ascensão, glória, queda e redenção com a apresentação de valores positivos nas entrelinhas. Tudo isso filmado em um tom mais leve e colorido que contrabalança o peso de algumas situações representadas. Ao mesmo tempo, é também um raro filme sobre uma realidade cada vez mais presente na era do futebol globalizado: a dos jovens aspirantes que, muito cedo, levados por seu talento, se vêem em um universo em que as regras parecem funcionar ao contrário, e os efeitos disso em mentes jovens e pouco preparadas.
Coprodução uruguaia com Brasil e Argentina, o filme, dirigido por Carlos Andrés Morelli (que não pôde vir a Gramado porque está na Alemanha já rodando um outro projeto), adapta um livro infanto-juvenil de mesmo nome escrito por Daniel Baldi, ex-jogador uruguaio com passagem por clubes como Bella Vista e Peñarol e que se converteu em um reconhecido autor para jovens em seu país. O filme aborda a trajetória de Tito Torres (Facundo Campelo), rapaz de 13 anos e jogador extremamente talentoso que começa a chamar a atenção da máquina financeira do futebol.
Torres partilha com muitos jogadores a origem humilde. O pai, Ruben (um ótimo Néstor Guzzini, também visto em Tanta Água), tem dois empregos, como vigilante e zelador. Mesmo assim, falta dinheiro para inteirar as contas, a ponto de a mãe, Marisa (a atriz e diretora Verónica Perrota, de Os Golfinhos vão para o Leste), ter de deixar a aliança de casamento como garantia no armazém para comprar comida para família (que inclui ainda dois filhos mais novos). Quando Torres leva seu time júnior de interior a uma inédita final, o pai é procurado por Rolando (o ótimo Roney Vilela, brasileiro arranhando um portunhol de raiz), um melífluo agente de jogadores que se oferece para empresariar o garoto e apresentá-lo em uma peneira a um time da capital.
Quando Torres é aprovado e começa a rapidamente a ascender nas equipes de aspirantes, o dinheiro passa a entrar e seus pais se veem confrontados com o dilema de continuar a exercer a autoridade sobre um garoto que agora é o real provedor da casa e que vê na bola o único sentido de sua vida, negligenciando estudos.
— Trabalhamos muito com Carlos (Morelli, o diretor) a relação dessa família. É uma casa em que literalmente não há o que comer. Para nós foi muito interessante trabalhar com essa contradição: vai dar, não vai dar, ele vai ter sucesso, não vai? Qual dimensão de sacrifício está envolvida ali, em que se sacrifica um filho em nome da família? Ao mesmo tempo, aquele é o sonho desse menino. No fim, a mãe é quem assina o contrato de liberação, porque ela acredita mais nesse sonho, até por ser quem testemunha em casa o tempo todo a aflição de não ter o que dar de comer aos filhos — comentou Verónica Perrota no debate seguinte à exibição, realizado na manhã de quarta.
As seduções da fama e o ambiente brutal da preparação de um jogador em um futebol cada vez mais competitivo e globalizado também são alvos de um retrato meticuloso. Ao mesmo tempo, o filme não esquece sua origem como livro juvenil e mantém o tom leve e colorido, enfatizado por uma fotografia clara e luminosa, necessária para retratar esta fábula no mundo da bola. O protagonista, o jovem Facundo Campelo, foi "peneirado" entre juniores de equipes uruguaias, para garantir que pudesse executar em cena os lances futebolísticos apresentados no filme.
— Nós sabíamos que o futebol é de difícil representação no cinema porque vemos futebol o tempo todo, na TV, então, para alcançar a verossimilhança durante as cenas de jogos, principalmente os lances de Tito, um jovem com potencial de craque, precisávamos de um ator que fosse também jogador. Fizemos uma seleção entre vários e encontramos o que precisávamos em Facundo — comentou Tatiana Sager, coprodutora brasileira do filme.
Mi Mundial deve estrear no Brasil em novembro.