Os filmes de ação costumam ser subestimados tanto do ponto de vista artístico quanto político. Trata-se de um equívoco, evidenciado por filmes como Sicário: Dia do Soldado (2018), que estreia no circuito de cinemas nesta quinta-feira (28/6), dando sequência ao festejado Sicario: Terra de Ninguém (2015).
O novo longa aprofunda as relações estabelecidas em torno do oficial Matt (Josh Brolin), a quem a CIA costuma recorrer para fazer o "trabalho sujo", e de seu colaborador mexicano, o volátil Alejandro (Benicio del Toro).
O cenário da trama é a região texana de fronteira entre Estados Unidos e México – a mesma que esteve no noticiário recente por conta das medidas extremas adotadas por Donald Trump.
– O grande problema local? – pergunta, retoricamente, Matt, ao secretário de Defesa (Matthew Modine), logo no primeiro ato. – Há 20 anos, era a entrada de cocaína (nos Estados Unidos). Agora, é a entrada de pessoas – ele mesmo responde, logo em seguida, dando respaldo à intervenção militar violenta promovida pelo governo norte-americano.
No início, Sicário: Dia do Soldado indica que é por ali que têm passado jihadistas responsáveis por ataques terroristas: o filme começa apresentando a travessia de um grupo pela fronteira, para depois mostrar a ação de homens-bomba em um supermercado de Kansas City e, na sequência, a perseguição a seus contatos no Oriente Médio – protagonizada por Matt.
Extremistas islâmicos, cartel mexicano, tudo está conectado, o que se pode ver a partir da ação das milícias fronteiriças que ajudam os imigrantes a adentrar nos Estados Unidos, constatam os agentes americanos. E a solução, concluem, é provocar uma grande guerra entre eles – sequestrando a filha do chefão do tráfico (interpretada pela menina Isabela Moner), chefão este que fora responsável pela morte da família de Alejandro no primeiro filme.
O plano não dará plenamente certo. Mas é em meio aos percalços vivenciados pelos protagonistas que o espectador acaba se afeiçoando (ainda mais) pelos anti-heróis Matt e Alejandro, agora melhor desenvolvidos, na comparação com o longa anterior – ambos são encarnados com muita segurança e enorme talento, principalmente por Del Toro.
Seus atos de violência deixam-se "justificar" pelo roteiro costurado com habilidade pelo mesmo Taylor Sheridan do filme original. A direção, antes a cargo do já afirmado Dennis Villeneuve, agora foi entregue ao nem tão conhecido Stefano Sollima, italiano que tem assinado trabalhos sobre a máfia, como o longa-metragem Suburra, de 2015, e a série de TV Gomorra, que terá uma quarta temporada em 2019.
Matt e Alejandro têm escrúpulos, indicam seus atos em Sicário: Dia do Soldado. Muito embora o que fazem seja injustificável do ponto de vista humanístico, mais do que moral, inclusive.
É essa a grande questão do filme – e, em escala maior, dos Estados Unidos e do mundo contemporâneo como um todo, com suas fronteiras diluídas e desarmonias causadas pela intolerância.
A maneira como responde a essa questão faz do novo Sicário um longa de forte carga política, e não exatamente humanista. É um problema, que se apresenta disfarçado pela exuberância técnica (o trabalho de som é primoroso, como já fora o de Sicario: Terra de Ninguém) e, principalmente, pelo carisma dos protagonistas.
Há uma contradição, nesse sentido. Ao mesmo tempo em que incorpora elementos do realismo da Trilogia Bourne (2002–2007) e da série 24 Horas (2001–2010), que revolucionaram os filmes de ação neste século 21, Sicário rejeita a complexificação de seus anti-heróis. Seu carisma advém da superficialização típica dos velhos heróis mitificados, humanizados artificialmente (a despeito dos crimes que cometem).
Alejandro, o grande personagem revelado pelo filme, transforma-se, no ato final, em um típico super-herói – invencível, invejável, capaz de superar o que mesmo os mais fortes não conseguem superar. Lembra não apenas as figuras moldadas pelas histórias em quadrinhos que migraram para o cinema nos últimos anos, mas os próprios homens de ferro míticos de outras épocas, de Rambo a Highlander.
O problema ecoa nos personagens secundários: com menos espaço na trama, eles aparecem mais estereotipados, mesmo em se tratando de grandes intérpretes (como Catherine Keener, chefe de Matt na CIA), ou simplesmente como exemplo para referendar determinado clichê (caso do jovem vivido por Elijah Rodriguez, que é seduzido pelo dinheiro fácil oferecido pelas milícias da fronteira).
Sicário: Dia do Soldado é um filme que seduz e entretém, mas que está comprometido, essencialmente, pela artificialização das relações estabelecidas – e pela desumanização que é sua consequência.
Sicário: Dia do Soldado
De Stefano Sollima
Ação/Drama, EUA, 2018, 122min, 16 anos.
Estreia nos cinemas nesta quinta-feira (28/6).
Cotação: 3 estrelas (de 5).