Em seus primeiros movimentos, a diretora japonesa Naoko Ogigami parece conduzir Entre Laços pelo território do drama familiar que tem no seu conterrâneo Hirokazu Kore-eda um grande mestre — o realizador venceu o Festival de Cannes com seu mais recente longa.
Como nos mais destacados filmes de Kore-eda, Naoko apresenta uma trama em torno da ruptura familiar com uma criança no centro do conflito. Mas o que costuma ser mostrado com potente secura por ele, nas mãos dela transborda em melodrama, o que de modo algum joga contra o filme vencedor de importantes prêmios voltados ao universo LGBTQ, entre eles Teddy Bear do Festival de Berlim e o troféu do público no Mix Brasil. Entre Laços, aliás, é apontado como um dos primeiros filmes japoneses a apresentar a temática LGBTQ em sintonia com as demandas contemporâneas por igualdade de gênero.
O tom folhetinesco conduz a saga de Tomo (Rim Kakihara), menininha de 11 anos que vive com a mãe negligente e chegada às bebidas fortes, que subitamente desaparece sem dar notícias. Como não foi a primeira vez que Tomo se viu abandonada pela mãe — como os pequenos irmãos de Ninguém Pode Saber, de Kore-eda —, sabe que pode contar com a ajuda do tio Makio (Kenta Kiritami). Makio a acolhe no apartamento em que vive com Kinko (Tôma Ikuta), mulher trans que trabalha como enfermeira em uma clínica de idosos. Detalhe: Ikuta é um ator homem, diferentemente da cantora trans chilena Daniela Vega, que emprestou muita autenticidade a sua personagem no aclamado Uma Mulher Fantástica.
Após o estranhamento do primeiro contato, Tomo encontra em Kinko um amparo maternal que até então não conhecia. Não demora e esse novo arranjo familiar mostra-se tão afetivo quanto seguro para a garota. Perfeito até demais, como ilustram as cenas de idílio a três sob cerejeiras em flor e às conversas à mesa farta em iguarias preparado com esmero por Kinko . Porém, como nos bons folhetins, pairam no ar ameaças e reviravoltas.
Entre Laços fala de tolerância à diversidade de gênero em um país civilizado onde também existem preconceitos e contradições diante do tema. Essa ciranda é regida pelo tom edificante, impressos na fotografia e na trilha sonora. Kinko fala para Tomo que nasceu menino mas nunca se reconheceu no corpo de um homem, por isso fez cirurgia de mudança de sexo e fez implantes de silicone. Parece muito bem resolvida com a situação, e a maternidade que lhe cai no colo é providencial para a plena realização de sua transformação.
Naoko Ogigami, informa o material promocional de Entre Laços, é conhecida por realizar produções "iyashi-kei", filmes relacionados à "cura emocional", abordando em dramas e comédias temas "leves" relacionados à natureza e ao choque de culturas de estrangeiros que chegam em outros países e deparam com práticas e elementos desconhecidos. Talvez não seja bem o que no Brasil conhecemos por autoajuda, por envolver menos a picaretagem comercial e mais as doutrinas religiosas e filosóficas relacionadas ao bem estar e à prática do bem comum. Entre o excesso e a falta de amor e tolerância, que fiquemos com os bons sentimentos que transbordam na tentativa de fazer do mundo um lugar melhor.
Em Porto Alegre, Entre Laços está em cartaz no Guion Center 2, com sessões às 16h05min e 20h30min.