Riviera Maia/México *
Exaltado na cerimônia do Oscar 2018, em Hollywood, o orgulho hispânico que temperou discursos e lançou críticas e ironias à política segregacionista em curso nos Estados Unidos pelo governo Donald Trump chegou a seu ápice de celebração neste final de semana, com a realização, no México, da 5ª edição do Prêmio Platino do Cinema Ibero-Americano.
O país que ganhou quatro Oscar de melhor direção nos últimos cinco anos recebeu no recém-inaugurado hotel Xcaret, na Riviera Maia, profissionais do audiovisual de dezenas de países da América Latina, Espanha e Portugal para celebrar suas estrelas e produções. E também afinar um discurso por maior poder de fogo no circuito internacional e, principalmente dentro de suas próprias casas.
A premiação será realizada neste domingo (29), com transmissão pelo Canal Brasil, a partir das 23h. Desde sexta-feira (27), encontros e maratonas de entrevistas destacam personalidades como a atriz e cantora trans Daniela Vega, protagonista de Uma Mulher Fantástica, de Sebastián Lelio, que deu ao Chile no começo do ano seu primeiro Oscar de melhor filme estrangeiro – com o maior número de indicações no Platino, nove, é o grande favorito da noite.
Daniela circula como uma verdadeira diva pelos holofotes do grandioso evento, que, segundo os organizadores, tem orçamento de US$ 3 milhões e conta com a cobertura de 260 jornalistas.
Em sua primeira fala aos jornalistas, Daniela reforçou os temas que são sua pedra de toque desde o começo da exitosa carreira internacional de Uma Mulher Fantástica, em fevereiro do ano passado, com a conquista de três troféus no Festival de Berlim: igualdade de gênero, direitos humanos e cultura latino-americana:
— O mundo tem muitas cores para se enxergar, e elas existem. Onde estão os limites da empatia? Somos capazes de encontrar flores sob a neve? Onde está o limite do conhecimento? Este filme, mais do que dar respostas, lança perguntas. Quantos corpos se pode habitar? Que amores se pode conquistar? Podemos fazer tudo. A arte nos ensina a querer mais. Arte é uma forma de conexão entre os seres humanos, arte gera conhecimento, e o cinema em particular tem essa capacidade de colocar movimento e ilusão diante de uma câmera.
Outra presença muito badalada na região próxima a Cancún é o ator diretor, roteirista e produtor Eugenio Derbez, grande nome do cinema, da televisão, do teatro e o showbiz do México. Um dos filmes mais conhecidos do humorista é Não Aceitamos Devoluções (2013), que ganhou remake na França e no Brasil. Radicado em Los Angeles, Derbez conta que se empenha em suas produções nos EUA para mudar o estereótipo dos personagens latinos consagrados junto ao público norte-americano:
— Nos colocam para viver narcotraficantes ou, no melhor dos casos, jardineiros. Estamos trabalhando para contar outras histórias. Já tive a honra de interpretar um pediatra mexicano que se tornou referência em Boston (no longa americano Milagres no Paraíso, de 2016, com Jennifer Garner, baseado numa história real). Criatividade é a arma mais forte que temos. E temos de nos orgulhar de nossa cultura, do nosso país. Quando eu era jovem, achava que o paraíso era o Havaí, mas ele está aqui na Riviera Maia, com sua água transparente e areia que parece talco.
Na mesma toada seguiu a mexicana Adriana Barraza. Indicada ao Oscar e ao Globo de Ouro de melhor atriz coadjuvante por seu trabalho em Babel (2006), de seu conterrâneo Alejandro González Iñarritu – dono de duas das quatro estatuetas mencionadas acima –, Adriana recebeu no sábado o troféu do Prêmio Platino como homenageada desta edição, distinção que já ganharam a brasileira Sonia Braga, o espanhol Antonio Banderas, o argentino Ricardo Darín e o americano de sangue mexicano Edward James Olmos. Nesta cerimônia prévia, foram entregues os prêmios do público de melhor atriz para Daniela Vega e de melhor filme para Uma Mulher Fantástica – ausente, o espanhol Javier Bardem ganhou como melhor ator, por Amando Pablo.
— Perdi minha mãe muito cedo e desde criança comecei a querer ser outras pessoas, porque era muito difícil ser a pequena Adriana — disse a atriz em sua fala. — Trabalhando nos Estados Unidos, observo que, nos últimos 10 anos, temos mais latinos em papeis de advogados, policiais, e não somente de criminosos. Não tenho como fazer papel de uma holandesa, pois sou uma mulher latina, mas temos de buscar papeis com dignidade.
Adriana comentou ainda outra questão presente no encontro: a visibilidade dos filmes latinos dentro de seus próprios países, tema que engloba políticas de incentivo à produção, formação de público e espaço no circuito exibidor:
— Um país precisa se ver na tela. Nesse sentido, tenho grande inveja dos argentinos, que fazem de seus filmes campeões de bilheteria.
Brasil ainda é coadjuvante na festa
O Prêmio Platino é uma iniciativa da Egeda, associação espanhola criada em 1990, em Madri, para a gestão dos interesses dos produtores audiovisuais. Com o tempo, a entidade passou a incorporar atividades múltiplas, que vão do fomento à produção ao combate à pirataria e restauro de filmes. Patrocina festivais importantes, como os de San Sebastian e Sitges, na Espanha, e o de Clermont Ferrand, na França.
Para reforçar seu caráter gregário, a premiação se alterna entre Europa e América Latina. Cidade do Panamá, Marbella, Punta del Leste e Madri foram as sedes anteriores. Já se tentou o Rio de Janeiro, informa a ZH um integrante da organização, mas, até agora, numa combinação de falta de interesse do país e verba (o anfitrião banca parte dos custos), não se chegou a um acordo.
A Egeda tem sedes na América Latina e nos EUA, mas ainda não no Brasil, indicativo do distanciamento que o país tem de seus vizinhos hispânicos, imposto não apenas pelo idioma, mas também pelo que é visto como uma combinação de desinteresse e arrogância – a ausência de representação da Ancine foi destacada por profissionais brasileiros que estão no México.
A brasileira Vania Catani, produtora do longa argentino Zama, de Lucrecia Martel, indicado em oito categorias, entre elas melhor filme e direção, vem estreitando laços das coproduções internacionais há mais de 10 anos.
— Circulando por festivais em todo o mundo, percebi que se identifica o cinema latino como um bloco, assim como o africano e o asiático — diz Vania a ZH. — Não se fala em cinema brasileiro, é cinema latino. Então decidi fazer parte dessa turma. E me recuso a falar em inglês com eles, aprendi na marra esse meu espanhol selvagem (risos). Em 2006, encontrei a Lucrecia em um festival e lancei uma proposta de adaptar algo da Clarice Lispector. Acabou não acontecendo, mas tempos depois ela me procurou para falar de uma parceria que acabou resultando no Zama.
Entre os projetos latinos que Vania tem pela frente está o de uma série de TV em coprodução com a Colômbia:
— A impressão que se tem é que o Brasil é uma ilha. Para os colombianos, por exemplo, atravessar o mar e chegar aos Estados Unidos é mais perto do que atravessar a floresta em direção ao Brasil.
* Viajou a convite do Prêmios Platino