A Cinemateca Capitólio marca mais um belo gol nesse começo de temporada cinéfila em Porto Alegre. A partir de hoje, o prédio histórico do Centro (Rua Demétrio Ribeiro, 1.085) apresenta mostra Pioneiros Americanos: Filmes da Coleção Milestone. Encampada pela distribuidora e produtora Milestone Film & Video, a seleção exibe 15 filmes raros e restaurados – 10 longas e 5 curtas, sendo sete títulos inéditos no Brasil – que representam a vertente mais independente do cinema norte-americano de diferentes épocas e gêneros. O valor do ingresso é R$ 10, com meia-entrada para estudantes e idosos.
Fundada em 1990, a Milestone tem em seu catálogo obras realizadas entre 1910 e 2010 por diretores pouco conhecidos do grande público mas de grande importância histórica, estética e temática. Entre eles, estão nomes como Shirley Clarke, Charles Burnett, Lois Weber, Kent Mackenzie e Billy Woodberry.
Weber, por exemplo, presente na mostra com Sapatos (1916), foi primeira mulher diretora da indústria cinematográfica dos EUA a ter seu próprio estúdio. Clarke, representado por Dança no Sol (1953) e Retrato de Jason (1967), consagrou em seus trabalhos o híbrido de ficção e documentário referencial para a chamada escola cinema vérité nos EUA e na Europa. E Charles Burnett, de Quando Chove (1995) e O Casamento do Meu Irmão (1983), é um cineasta afro-americano que foi expoente temporão do movimento neorrealista em seu país, com filmes humanistas ambientados da comunidade negra carente de Los Angeles – seu filme mais conhecido é o cultuado Matador de Ovelhas (1977).
O recorte da mostra inclui do pioneiro docudrama Na Terra dos Caçadores de Cabeças (1914), assinado pelo etnógrafo e fotógrafo americano Edward S. Curtis, a Notfilm (2015), de Ross Lipman, documentário que explora diferentes aspectos da realização do curta Film (1965), trabalho de vanguarda em que o realizador Alan Schneider teve como roteirista e codiretor Samuel Beckett – foi a primeira experiência do dramaturgo irlandês na direção de cinema.
Com curadoria e produção da Mutual Films e realização do Centro Cultural São Paulo e da Cinemateca Capitólio Petrobras, a mostra contará com a presença dos curadores Aaron Cutler e Mariana Shellard para conversar com o público, quarta-feira (21), às 21h, além de um debate com a pesquisadora gaúcha Juliana Costa na programação de domingo, às 18h.
PROGRAMAÇÃO
20 de março (terça-feira)
20h - Dança no sol (Shirley Clarke, 1953, EUA, 7min)
Retrato de Jason (Shirley Clarke, 1967, EUA, 107min)
21 de março (quarta-feira)
20h - Abençoe seus pequeninos corações (Billy Woodberry, 1984, EUA, 86min)
22 de março (quinta-feira)
20h - Word is Out: Histórias de nossas vidas (Mariposa Film Group, 1978, EUA, 132min)
24 de março (sábado)
16h - Bunker Hill (Kent Mackenzie, 1956, EUA, 18min)
No Maps on My Taps (George T. Nierenberg, 1978, EUA, 59min)
18h - Notfilm (Ross Lipman, 2015, EUA/Reino Unido, 129min)
Film (Alan Schneider com roteiro de Samuel Beckett, 1965, EUA, 22min)
21h - Vitória estranha (Leo Hurwitz, 1946, EUA, 64min)
25 de março (domingo)
16h - Little Nemo (Winsor McCay, 1911, EUA, 12min)
Na terra dos caçadores de cabeças (dir. Edward S. Curtis, 1914, EUA/Canadá, 66min)
18h - Quando chove (Charles Burnett, 1995, EUA/França, 13min)
Sapatos (dir. Lois Weber, 1916, EUA, 53min)
20h - Os exilados (Kent Mackenzie, 1961, EUA, 72min)
28 de março (quarta-feira)
20h - O casamento do meu irmão (Charles Burnett, 1983/corte do diretor de 2007, EUA/Alemanha, 81min)
FILMES
Dança no sol (Dance in the Sun)
Shirley Clarke, 1953, EUA, 7min
O primeiro filme concluído de Shirley Clarke e primeiro a explorar a dança – sua profissão original – é um registro gracioso de movimentos que muitas vezes remete ao cinema de Maya Deren. O dançarino Daniel Nagrin encena um movimento de dança em seu estúdio e na praia, criando uma interação lúdica entre esses dois espaços.
Retrato de Jason (Portrait of Jason)
Shirley Clarke, 1967, EUA, 107min
Durante doze horas, em 3 de dezembro de 1966, a realizadora americana independente Shirley Clarke e seus amigos entrevistaram Jason Holliday sobre sua vida, amores e crenças. Jason, um homem negro gay de 43 anos que trabalha como michê e sonha com uma carreira de entertainer em boates, encanta o público com suas histórias de confronto familiar durante a adolescência em Nova Jersey, as orgias que participou e a prostituição.
Abençoe seus pequeninos corações (Bless Our Little Hearts)
Billy Woodberry, 1984, EUA, 86min
O longa de Billy Woodberry (o único longa do cineasta por mais de 30 anos até a estreia de seu segundo longa em 2015) é uma crônica sobre os efeitos devastadores do desemprego, sobre as famílias da comunidade negra de Los Angeles. Nate Hardman e Kaycee Moore oferecem interpretações avassaladoras de um casal cuja família é desestabilizada por eventos que estão além de seu controle. Se a salvação persiste, é graças ao retrato sensível da vida cotidiana que segue.
Word is Out: Histórias de nossas vidas (Word Is Out: Stories of Some of Our Lives)
Mariposa Film Group, 1978, EUA, 132min
O filme apresenta um mosaico de entrevistas com 26 homens e mulheres gays ao redor de todo o país que descrevem com bom humor e lucidez suas experiências pessoais ao se assumirem, se apaixonarem, se decepcionarem e lutarem contra preconceitos e leis discriminatórias. Os entrevistados, com idades que variam entre 18 e 77 anos e estilos entre donas de casa e travestis, incluem a poeta Elsa Gidlow, a ativista política Sally Gearhart, o inventor John Burnside e o cineasta Nathaniel Dorsky.
Bunker Hill
Kent Mackenzie, 1956, EUA, 18min
Retrato da área residencial de Bunker Hill, no centro de Los Angeles, com foco na vida de seus velhos residentes. Conforme os assistimos, dia e noite, em suas atividades cotidianas, ouvimos seus pensamentos.
No Maps on My Taps
George T. Nierenberg, 1978, EUA, 59min
Em 1979, foi lançado o importante documentário de Nierenberg No Maps on My Taps com música de Lionel Hampton e a dança de Bunny Briggs, Chuck Green e Harold “Sandman” Sims. O amor de Nierenberg pela dança e por esses grandes dançarinos de sapateado fez do documentário um hit de audiência e crítica.
Notfilm
Ross Lipman, 2015, EUA/Reino Unido, 129min
Intrigado com a história da produção da obra Film, seu restaurador Ross Lipman decidiu contá-la em um documentário que explora diferentes aspectos de sua realização.
Film
Alan Schneider com roteiro de Samuel Beckett, 1965, EUA, 22min
A frase do filósofo Bishop Berkeley "esse est percipi" ("ser é perceber") inspirou o único filme do escritor e teatrólogo irlandês Samuel Beckett, realizado cinco anos antes de ganhar o prêmio Nobel de Literatura. Mudo e em preto e branco, Film é uma perseguição entre dois personagens E (eye/olho), o olhar subjetivo da câmera, e O (objeto), interpretado pelo já velho Buster Keaton. O tenta desesperadamente evitar ser percebido enquanto foge cambaleando pela rua até trancar-se em um quarto cheio de olhos, onde continua sua batalha por auto-aniquilação.
Vitória estranha (Strange Victory)
Leo Hurwitz, 1946, EUA, 64min
Este filme, pouco visto e recém restaurado, compara a população dos Estados Unidos pós-guerra aos inimigos fascistas que o país derrotou. Enquanto ouvimos um narrador (Gary Merrill) condenar a hipocrisia americana do pós-guerra, nós vemos uma mistura de imagens originais e de arquivo que mostram como os afro-americanos eram oprimidos, discriminados, segregados a piores moradias e estudos, proibidos de votar e vítimas da violência policial. Veteranos negros que haviam sido encarregados de pilotar aeronaves, retornaram para casa para encontrar ofertas de trabalho em posições desqualificadas.
Little Nemo
Winsor McCay, 1911, EUA, 12min
Baseado na tira de quadrinhos do cartunista Winsor McCay, homônimo ao filme. McCay trabalhou em sua animação por um ano, sempre que encontrava tempo em sua agitada agenda. Um prólogo com a atuação do próprio diretor foi acrescentado e cada frame do filme foi colorido a mão.
Na terra dos caçadores de cabeças (In The Land of the Head Hunters)
Edward S. Curtis, 1914, EUA/Canadá, 66min
O renomado fotógrafo Edward S. Curtis dedicou sua vida a documentar o mundo dos indígenas norte americanos. Ele criou um dos primeiros longas-metragens dramáticos da história do cinema - uma obra-prima estrelando membros da tribo Kwakwaka'wakw (Kwakiutl) da Colúmbia Britânica. O melodrama fantasmagórico de Curtis conta a história da jornada espiritual de amor e desilusão de um guerreiro, frente uma batalha entre tribos para salvar sua noiva. Alguns aspectos do filme se basearam na tradição oral dos Kwakwa'wakw e retratam com precisão rituais tribais.
Quando chove (When it Rains)
Charles Burnett, 1995, EUA/França, 13min
No dia do Ano Novo, um contador de histórias local (interpretado por Ayuko Mabu) tenta ajudar uma mulher (Florence Bracy) a pagar seu aluguel para que ela e seus filhos não sejam colocados para fora de casa. A ajuda, no final, vem de um lugar inesperado.
Sapatos (Shoes)
Lois Weber, 1916, EUA, 53min
Eva Meyer (interpretada por Mary MacLaren) é uma pobre vendedora de lojas de 1,99. Ela é a única assalariada de uma família de três irmãs, mãe e um pai que não consegue arrumar emprego. No fim de cada semana, Eva entrega obedientemente seu salário para sua mãe (Mattie Witting), mas, ao se ver cada vez mais sem saída, considera as investidas de Cabaret Charlie (William V. Mong), um mulherengo com más intenções. Sapatos foi adaptado de um conto de um conto do mesmo nome de Stella Wynne Herron, inspirado por sua vez, no livro sobre prostituição, A New Conscience and an Ancient Evil, da reformista social Jane Addams, escrito em 1912.
Os exilados (The Exiles)
Kent Mackenzie, 1961, EUA, 72min
O longa de estréia de Mackenzie mostra um dia na vida de um grupo de jovens indígenas americanos que deixaram suas reservas nos anos de 1950 para morar em Los Angeles, no bairro de Bunker Hill – uma área residencial degradada com mansões vitorianas decadentes. O filme estrela os atores não profissionais Yvonne Williams, Homer Nish e Tommy Reynolds em um retrato enérgico, sem melodrama, de uma comunidade marginalizada. O roteiro foi montado a partir de uma série de entrevistas que são apresentadas com voz em off.
O casamento do meu irmão (My Brother's Wedding)
Charles Burnett, 1983/corte do diretor de 2007, EUA/Alemanha, 81min)
Pierce Mundy (interpretado por Everett Silas) é um jovem negro que trabalha na lavanderia de seus pais, no degradado bairro de South Central em Los Angeles, sem perspectivas para o futuro e tendo seus amigos de infância sido mortos ou presos. Com a saída da prisão de seu melhor amigo e a preparação do casamento de seu irmão com uma mulher de família rica, Pierce navega por suas obrigações conflitantes enquanto procura descobrir o que ele próprio quer para sua vida.