Conhecido por filmes premiados como Contra a Parede (2004), Do Outro Lado (2007) e Soul Kitchen (2009), sempre com o tema da imigração no centro das tramas, o cineasta alemão de origem turca Fatih Akin conversou com Zero Hora por telefone da Alemanha. O diretor falou sobre sua motivação para realizar o drama Em Pedaços, estrelado por Diane Kruger, que chegou aos cinemas brasileiros nesta quinta-feira, sua carreira e a onda conservadora na Europa e no mundo.
Como surgiu a ideia de filmar Em Pedaços?
Durante toda a minha vida, quis fazer algo sobre racismo, pois, quando se nasce e se é criado na Alemanha enquanto membro de uma minoria, filho de imigrantes turcos, você se depara com o racismo cedo ou tarde. Desde menino, sabia a respeito dos neonazistas, que matavam estrangeiros. Aos oito anos de idade, quando me dei conta que havia forças no país que queriam me matar só porque eu tinha cabelo preto... aquilo criou um trauma. Sofri com esse trauma por toda a minha vida. Então, quando o racismo na Alemanha cresceu nos últimos cinco anos, por causa do problema dos refugiados e da guerra na Síria, foi criada uma nova dimensão do racismo no país. Então senti que era a hora de aplicar minhas ideias, minha raiva e meus medos em um filme.
O último filme seu que veio ao Brasil foi Soul Kitchen (2009), uma comédia na qual há muitas piadas a respeito dessa relação entre o imigrante e o povo alemão. Isso não aparece em Em Pedaços. Você acha que as coisas mudaram muito de lá para cá?
Há mudanças, mas essa não foi a razão pela qual mudei da comédia para o drama. Mudei porque, às vezes, preciso de dinheiro e daí faço comédias.
Às vezes me canso do conteúdo mais pesado e eu gosto de comédias. É sempre mais difícil fazer uma comédia do que um drama. É mais fácil de assistir, mas muito mais difícil de filmar. E faço isso de vez em quando. Mas não acho que, com os meus filmes, tenha que fazer algum comentário a respeito sempre que algo muda no país.
O senhor apareceu na lista de alvos de um site xenófobo. Como se sente a respeito?
É sempre um elogio quando você é alvo do seu inimigo. Se o seu inimigo o denuncia, quer dizer que você fez algo direito. De certa forma, é um elogio.
Como você vê a situação atual dos imigrantes na Alemanha e na Europa e o crescimento das forças mais conservadoras no mundo todo?
Essas lideranças, essas forças reacionárias alcançaram o poder por meio da possibilidade de democracia, mas elas também ganham poder quando se acredita que a democracia é uma dádiva da natureza, que vem de algum homem, ou algo que cresce nas árvores. Está errado. Democracia é algo que precisa ser defendido todos os dias. Se isso não for feito, outras pessoas assumem o controle. É isso que está acontecendo no mundo todo. Por outro lado, a globalização criou muito medo e frustração para muitas pessoas, e parte da expressão desses medos votou em partidos reacionários ao redor do mundo.
Como foi trabalhar com Diane Kruger? O senhor parece muito grato quando fala sobre o trabalho dela no filme.
Ela foi a melhor atriz com quem já trabalhei. Foi a mais concentrada, mais focada, mais disciplinada. Não sei se é porque ela é uma atriz americana, de uma certa maneira (Diane nasceu em Algermissen, na Alemanha, mas morou em várias cidades, entre elas Londres e Paris, tornando-se cidadã norte-americana em 2013). Nós temos muitas boas atrizes alemãs e turcas, mas esse nível de concentração e de profissionalismo dela foi algo que me surpreendeu. Quem sabe foi por ela ter sido educada na França e nos Estados Unidos.
O senhor vai trabalhar com Diane em um novo projeto. O que pode nos dizer a respeito desse trabalho?
Estamos trabalhando em uma minissérie sobre Marlene Dietrich (atriz e cantora alemã). Eu me interesso muito pela história dela no contexto da II Guerra Mundial, pela atitude e posição dela contra a Alemanha nazista. Foi um ato de coragem civil. Ela desistiu da carreira, da fama e de todo o dinheiro para lutar contra a Alemanha de Hitler como uma alemã. Isso é algo que eu admiro muito, e muitas pessoas sabem muito pouco a respeito. É sobre isso que será a minissérie. Além disso, Diane é a melhor pessoa para interpretar Marlene Dietrich. Não há outra atriz capaz de fazer o papel dela.
As atrizes alemãs não vão sentir inveja?
Não dou a mínima se invejam ou não, não é da minha conta ficar pensando nisso.
Quando se fala no cinema atual da Alemanha, as pessoas o classificam dentro da escola conhecida como “Migrantekino”, dos imigrantes que fazem cinema na Alemanha. Como analisa esse rótulo?
Eu provei para mim mesmo que posso fazer várias coisas diferentes. Mas, como eu sou um autor, busco muito material que está presente no meu mundo. Não estou interessando em filmes estúpidos de Hollywood. Mesmo fazendo algo tratando de Marlene Dietrich, ainda assim é um filme de imigrante, pois será sobre como Dietrich era, ela mesma, uma imigrante nos Estados Unidos e como ela ajudou os judeus a fugir da Alemanha. De algum modo, esse tema da migração sempre vai aparecer. Mas me rotular somente como alguém que produz coisas sobre migração é uma maneira de certas pessoas tentarem me apequenar, pois têm inveja.
Você conhece a produção cinematográfica brasileira?
Conheço o Walter Salles, eu o admiro muito. Os filmes mais bem-sucedidos chegam por aqui, como Cidade de Deus. Mas acho que os filmes artísticos somente chegam ao circuito de festivais. São difíceis de encontrar. Gosto da obra de Hector Babenco. Conheço muito pouco do cinema brasileiro, tenho que admitir.