O ano é 1934. No rigoroso inverno europeu, em algum ponto isolado entre as montanhas da Iugoslávia, uma avalancha interrompe a viagem do lendário Expresso do Oriente de Istambul a Paris. Na luxuosa primeira classe, 14 estranhos de diferentes nacionalidades encaram um inconveniente ainda maior do que a neve: um dos passageiros, o misterioso e desagradável americano Edward Ratchett (Johnny Depp), é encontrado morto a punhaladas em sua cabine, assassinado por alguém que continua no trem.
Para o azar do criminoso, entre os 13 que restaram está Hercule Poirot, o melhor, mais peculiar e menos modesto detetive do mundo. A missão do excêntrico belga é descobrir o culpado até que os trilhos sejam liberados.
Bem conhecida por gerações de leitores de todos os continentes, a trama do livro Assassinato no Expresso do Oriente (1934) — talvez o mais famoso da escritora inglesa Agatha Christie — ganhou nova adaptação para o cinema em 2017, em cartaz a partir desta quinta-feira (30) no Brasil. Desta vez, o desafio ficou nas mãos do ator, diretor e roteirista norte-irlandês Kenneth Branagh, célebre por suas adaptações de outro famoso escritor inglês, William Shakespeare. A responsabilidade autoimposta por Branagh foi ainda maior porque ele se escalou para o papel de Poirot, uma instituição literária que, para muitos, equipara-se a Sherlock Holmes.
Assim como a primeira grande adaptação da obra para o cinema, feita em 1974 por Sidney Lumet, um dos trunfos do filme de Branagh — o principal, provavelmente, é a deslumbrante fotografia — é o elenco cheio de estrelas. Além de Depp, que interpreta a vítima, nomes como Penélope Cruz, Michelle Pfeiffer, Judi Dench, Daisy Ridley e Willem Dafoe dão vida aos suspeitos.
A consistência do elenco, aliás, é fundamental para segurar o espectador em qualquer filme inspirado na obra da Rainha do Crime. Perfeitas para as páginas de um livro, as narrativas dos romances policiais clássicos tendem a se tornar arrastadas quando transportadas às telas, especialmente para o público atual, acostumado com edições dinâmicas e muita ação. Esse, talvez, tenha sido o principal motivo da escassez de adaptações de Agatha Christie ao cinema nos últimos 40 anos.
Ciente desse problema, Branagh tratou de rejuvenescer a trama, com mais ação, um quê de romance e até conflitos raciais que não apareciam na versão literária — mudanças que podem enfurecer os fãs mais fiéis da autora. Um exemplo é o próprio Poirot, mais jovem, mais esbelto, mais romântico, mais ágil e bem mais aventureiro do que nos livros (qualquer conhecedor do detetive veria como um absurdo Poirot interrogar suspeitos em um frio de rachar podendo optar pelo conforto do interior do trem). Apesar dos esforços, alguns espectadores poderão ficar impacientes em alguns momentos.
Talvez mais pela popularidade do material original do que por méritos próprios, Assassinato no Expresso do Oriente já arrecadou cerca de US$ 200 milhões em todo o mundo (o orçamento foi de US$ 55 milhões), garantindo a Branagh um contrato para outra adaptação de Agatha Christie, Morte no Nilo (1937). Para uma indústria que sofre de crise de criatividade, e que cada vez se apoia mais em franquias inspiradas em séries literárias e quadrinhos, nada mais coerente do que também colocar a escritora mais vendida do mundo na linha de produção. Só resta saber se o público vai continuar pagando para ver.
Outro filme
Em 2018, deve estrear no Brasil Crooked House (2017), longa inspirado no livro A Casa Torta (1949), com Max Irons, Glenn Close e Gillian Anderson.
Inspiração na TV
O cinema pode ter abandonado Agatha Christie por quatro décadas, mas a TV sempre investiu muito em adaptações de suas obras, principalmente na Grã-Bretanha.
Depois do fim, em 2013, de Poirot de Agatha Christie, tradicional série britânica que se estendeu por 24 anos (foi estrelada pelo ator tido como "Poirot definitivo", David Suchet), surgiram novos programas.
A BBC tem investido em pelo menos uma atração por ano. Em 2015, a emissora exibiu duas minisséries baseadas nos livros da escritora. Partners in Crime, de seis episódios, foi inspirada em O Adversário Secreto e M ou N?, protagonizados pelo casal de detetives amadores Tommy e Tuppence Beresford.
Já And Then There Were None adaptou, em três episódios, E Não Sobrou Nenhum (também conhecido como O Caso dos 10 Negrinhos), eleito o melhor livro da escritora recentemente.
Em dezembro de 2016, foi a vez de Testemunha de Acusação, com dois episódios.
Neste Natal, seria transmitido o especial Ordeal By Innocence (Punição para a Inocência), mas a BBC suspendeu a exibição devido às acusações de estupro contra o ator Ed Westwick.