— O encontro será na "caverna masculina" — anunciou a assessora de imprensa, abrindo a porta do andar térreo de um casarão localizado nos jardins luxuriantes do Sunset Marquis.
Entre os hóspedes anteriores do hotel estão os membros do Aerosmith, Guns N' Roses e Metallica e, embora eles talvez nunca tenham visitado o tal espaço, ele parecia lhes prestar homenagens – ou ao hair metal, ou aos adolescentes hétero, ou a alguma coisa. Tem uma mesa de bilhar, uma guitarra, bebida alcoólica à vontade, uma reprodução emoldurada de uma mulher nua com o corpo pintado e outra de um crânio em chamas. As janelas escurecidas protegem do sol californiano.
De qualquer forma, é um lugar, no mínimo, curioso para entrevistar Timothée Chalamet e Armie Hammer, os astros de Me Chame Pelo Seu Nome, uma história comovente sobre dois jovens que se apaixonam durante um verão idílico na Itália, há algumas décadas. O longa está em cartaz nos cinemas de Porto Alegre.
Chegando logo depois de mim, Chalamet e Hammer reagiram à decoração com um riso abafado, sendo que esse último foi direto na direção da guitarra e começou a dedilhá-la, enquanto o primeiro se jogou no sofá em forma de L. A dupla demonstra um companheirismo que se reflete na maioria dos lugares a que vai. Durante a maior parte das filmagens, no ano passado, no norte da Itália, e no período que as antecedeu, quase sempre os dois eram os únicos que falavam inglês, o que ajudou a fortalecer a ligação que transparece nas cenas. Eles também estão promovendo o filme juntos, intermitentemente, desde o lançamento triunfante em Sundance, onde deslumbrou as plateias.
— Chegou a um ponto em que a gente já termina... — Hammer começa.
— As frases um do outro — se adianta Chalamet.
— E o sanduíche — Hammer completa.
No filme, baseado no romance de 2007 de mesmo nome de André Aciman, Chalamet interpreta Elio, um americano-italiano de 17 anos superinteligente que mora com a família em uma mansão italiana; Hammer encarna Oliver, um norte-americano de 24 anos, já formado, que chega para ser estagiário do pai de Elio, que é professor. O rapaz mais jovem se mostra imediatamente intrigado e não demora para se ver apaixonado – e tentando lutar contra o sentimento, pelo menos no início.
O filme, cuja história se passa em 1983 e é dirigido por Luca Guadagnino – que conta entre seus trabalhos Um Mergulho no Passado (2016) e Um Sonho de Amor (2010) –, é lânguido e intoxicante, um verdadeiro festival visual de luzes difusas, camisetas polo e músicas da época, incluindo Psychedelic Furs e a trilha sonora de Flashdance.
Guadagnino é mestre na manipulação dos cinco sentidos, uma das razões por que os críticos receberam o filme tão bem.
— É mais um terrário de experiências humanas, uma imersão sensorial extraordinariamente íntegra em sua visão. Cada cena é rica em existência e, no entanto, Guadagnino não exagera — escreveu Richard Lawson para a Vanity Fair.
O que também dá à história um brilhantismo discreto, principalmente para um filme que vem ganhando fôlego para a disputa dos principais prêmios, é que ela simplesmente acompanha dois jovens que se apaixonam, sem que apareça nenhum conservador querendo exterminá-los ou alguma doença fatal esperando para se manifestar.
— É só uma história de amor muito humana. Ninguém apanha, ninguém fica doente, ninguém é punido por ser gay — resume Hammer.
Embora a diferença de idade dos apaixonados tenha chamado um pouco a atenção, o filme tem sido fonte de grande satisfação para os principais envolvidos: representa a volta às telas para James Ivory, 89 anos, responsável pelo roteiro que lembra um pouco sua história de 1987, Maurice; é veículo para a revelação de Chalamet, que tem apenas 22 anos, mas já tem sérias chances de ser indicado ao Oscar; para Hammer, 31 anos, o período de filmagens na Itália foi, em suas palavras, "a experiência mais transformadora" de sua vida profissional.
— Nunca vivi nada tão intenso, nem tive uma sensação de segurança tão forte. Nunca tive a oportunidade de me fazer tão acessível e me sentir tão vulnerável. Foi uma experiência que abriu meus olhos e me proporcionou uma nova compreensão da vida e do que é ser humano — afirma.
Ele e Chalamet foram escalados separadamente e só se viram pessoalmente no dia em que se conheceram, no set na Itália. Guadagnino confessa que sentiu uma conexão tão forte em relação aos dois atores que naturalmente assumiu que os dois também se dariam bem um com o outro.
Guadagnino achou Chalamet "genial", ambicioso e disposto a encarar desafios.
— Ele nunca faz nada do jeito mais fácil. É tudo sempre pelo lado mais complicado.
E o diretor já vinha querendo trabalhar com Hammer desde que o ator encarnou os gêmeos Winklevoss em A Rede Social, de 2010. — Ele possui um ar de sedução que contagia, uma leveza e uma beleza especiais, mas, ao mesmo tempo, mostra que está lidando com um turbilhão interno muito forte — descreve Guadagnino.
E provou ter acertado na química entre os protagonistas – a atração entre os dois é registrada em meio a uma competitividade tensa –, embora Chalamet e Hammer sejam tão diferentes pessoalmente como são os personagens entre si.
— Foi a sorte do universo, ou alguma coisa assim, o fato de haver essa ligação natural entre nós enquanto seres humanos — diz Chalamet.
O ator, que também está no filme de Greta Gerwig, Lady Bir", explica que se sentiu atraído pelo papel porque achou que era "um exame honesto da existência de um jovem".
— Ninguém me conhece — começa, com uma risada: — Então não senti que fosse nada muito arriscado. Não era um trabalho que estava sendo comparado. Não tinha margem para isso.
Já Hammer se sentiu mais inseguro, pois não tinha certeza se era tão bom a ponto de segurar um filme tão limpo, tão honesto emocionalmente, sem recursos nem efeitos especiais.
— Este é um filme que nasce e morre nos momentos entre os dois personagens", comenta. Além disso, havia muita nudez no roteiro original, que acabou sendo revisado.
Ele também é relativamente novo cenário dos filmes pequenos. Depois da participação em A Rede Social, encarou papéis de destaque em filmes como O Cavaleiro Solitário (2013) e O Agente da U.N.C.L.E. (2015), mas descobriu que as expectativas de bilheteria são sufocantes e a máquina hollywoodiana, deprimente. — Foi meio assim: "Ah, ele é alto, boa pinta, vamos colocá-lo nessas superproduções para tentar criar uma marca". Pena que não funcionou.
A partir daí, decidiu partir para trabalhos menores; o primeiro foi O Nascimento de uma Nação, de 2016, que acabou deixando um gosto amargo. O drama, que mostra a rebelião de escravos liderada por Nat Turner, bateu recorde de venda em Sundance (US$ 17 milhões), mas foi envolvido em polêmica depois que surgiram denúncias de estupro contra o diretor/protagonista, Nate Parker. Foi uma experiência devastadora da qual Hammer diz ainda estar se recuperando.
— Pareceu óbvio para mim que a admissão e as desculpas pelo acontecido, tão necessárias, simplesmente não aconteceram como deveriam. E foi muito complicado porque eu assisti ao filme que fizemos, que todos achamos ser tão importante, mas cuja mensagem simplesmente se perdeu — conta, a voz cada vez mais forte. (O fracasso do filme não prejudicou sua carreira – tanto que enquanto começou a promover Me Chame, também estava filmando On the Basis of Sex, estrelado por Felicity Jones na pele de Ruth Bader Ginsburg.)
Os dois atores dizem estar gostando de promover o filme, apesar de algumas reações meio tortas, como o tuíte do ator James Woods, sugerindo que a diferença de idade entre os personagens dava margem a intenções pedófilas. — Não foi você que namorou uma garota de 19 quando tinha 60? — foi a resposta de Hammer, que se transformou em viral, para sua grande surpresa. (Na verdade, Woods tinha 59.)
— Achei que ninguém ia ligar para o que eu disse, porque ninguém tinha se importado com o que James Woods dissera, sabe? — conclui.
Por Cara Buckley