Colocando em perspectiva os 20 anos de carreira do dinamarquês Nicolas Winding Refn, é curioso notar que seu filme mais conhecido, Drive (2011), com o qual foi consagrado com o prêmio de direção no Festival de Cannes, é o único em que seu nome não aparece também como roteirista. E talvez essa insistência em dirigir suas próprias histórias, na busca por um cinema cada vez mais sensorial e menos narrativo, tenha feito Refndesviar da promissora rota que ensaiou tomar com Drive.
Em cartaz em Porto Alegre, Demônio de néon, mais recente longa do cineasta foi recebido com fortes vaias na sessão para os críticos no Festival de Cannes, no qual disputou a Palma de Ouro em maio passado. É um filme que amplifica os mesmos elementos que foram bem equilibrados em Drive, mas fizeram naufragar seu projeto anterior, Só Deus perdoa (2013). Refn novamente busca compensar a fragilidade da narrativa com o excesso de afetação visual e violência gráfica que desequilibram o conjunto. Fez em sequência dois filmes de encher os olhos, porém estéreis na sua capacidade de envolver o espectador além do impacto e do desconforto – características que exibe de forma menos espalhafatosa em sua obra pregressa. Goste-se ou não do resultado, sem dúvida essa parece ser a marca autoral que Refn deseja imprimir como um autor independente que contraria expectativas de crítica e público diante da tela.
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Demônio de néon propõe uma abordagem crítica e extremada do universo da moda destacando seus aspectos mais perversos: a obsessão com a aparência, o culto à juventude, a ambição por fama e fortuna, o ambiente extrema competição. Quem será literalmente engolida por esse sistema é Jesse (vivida pela graciosa Elle Fanning), menina órfã de 16 anos que desembarca em Los Angeles com todos os atributos para ser um estrela fashion: é linda, magérrima e tem uma presença hipnotizante. Mas sua pureza e ingenuidade a fazem ser presa indefesa de uma agente inescrupulosa, um fotógrafo abusivo, duas rivais mais velhas invejosas e maquiavélicas, um estilista arrogante, um gerente de hotel violento e, sobretudo, uma maquiadora lésbica que, num contraponto por demais forçado, também trabalha no necrotério embelezando cadáveres. Todos ele cairão sobre Jesse como abutres famintos por devorá-la, impondo-lhe uma progressiva tortura psicológica e física.
Refn transforma o sonho de Jesse como em um sádico pesadelo, regulando registro fantástico do filme do suspense ao terror com uma tanto de humor negro. Tem vampirismo, necrofilia e canibalismo. Sem sutileza. A fotografia, assinada pela argentina Natasha Braier, sublinha o artificialismo do delirante cenário idealizado pelo diretor com cores berrantes, muito glitter e luz estroboscópica piscando freneticamente. A trilha sonora na batida electro de Cliff Martinez faz a narrativa vibrar sem sair do ponto morto.
Percebe-se pretensão de Refn em trilhar a rota já explorada por diretores como Paul Verhoeven (em Showgirs), David Lynch (em Cidade dos sonhos) e David Cronenberg (no recente Mapas para estrelas), filmes que, de maneiras distintas, também investiram no redemoinho que traga aqueles que colocam sua beleza e seu corpo no moedor de carnes que é a indústria de celebridades. Demônio de néon, porém, mais estetiza do que problematiza o tema. Refn apela para as armas de sedução do olhar alheio que, paradoxalmente, critica. Com isso, seu tropeço é não apenas estético, mas também ético.