Exibido em 2015 no Festival de Cannes, La vanité faz rir com um tema extremamente sério: o suicídio. No filme em cartaz no Guion Center, David Miller (Patrick Lapp) é um velho arquiteto doente que decide dar fim à vida recorrendo a uma associação de suicídio assistido na Suíça. O homem escolhe um quarto de um motel que projetou como o local do procedimento, que será conduzido por uma atendente espanhola chamada Esperanza – vivida pela atriz Carmen Maura, musa do diretor Pedro Almodóvar em filmes como Mulheres à beira de um ataque de nervos (1988). O suicida, no entanto, tem que antes convencer Treplev (Ivan Georgiev), prostituto russo do quarto ao lado, a ser testemunha de seu último suspiro, como exige a lei suíça.
Leia a entrevista com o realizador do filme, o suíço Lionel Baier.
Por que você decidiu contar uma história sobre o suicídio assistido?
Porque a história me foi contada por um estudante de escola de cinema onde leciono na Suíça. Acontece que esse estudante, proveniente de um país africano, se prostituía de noite para satisfazer suas necessidades. Uma noite, ele se encontrou na mesma situação que Treplev: um homem que recorria ao suicídio assistido no quarto ao lado do dele pediu para ele testemunhar sua morte. Meu aluno se recusou, mas, quando me contou a história, ele disse: “No meu país, as pessoas estão lutando para sobreviver, enquanto no seu as pessoas lutam para morrer”. Eu achei essa frase muito reveladora de uma verdade ocidental. Acho que é bastante emblemático da geração baby boomer, que agora está com 70 ou 80 anos. Durante todas as suas vidas, esses homens e mulheres tiveram escolhas que ninguém teve antes deles, como o aborto, a pílula, o divórcio difundido etc. É normal que eles se perguntem sobre decidir a respeito da própria morte.
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Você se sente atraído pelo lado surreal da vida cotidiana?
A vida diária não tem nada de real. É por isso que ela é filmável. A única coisa que se deixa capturar pela câmera é a irrealidade da vida diária.
Em seu filme, você usa ironia e melancolia para criticar a imagem metódica e organizada da Suíça, mostrando que o país normatiza até a morte. Comente sobre esse tema, por favor.
Eu utilizo principalmente o humor. Como todos os assuntos sérios, o suicídio assistido se presta bem à comédia. A Suíça é um país que se leva a sério, mas isso não é realmente sério. Nada na Suíça parece perigoso. Nem mesmo a morte. Assim que surge alguma coisa séria, os suíços votam alguma lei para se tranquilizar.
Outra percepção comum a respeito da Suíça está em sua arquitetura e suas paisagens: tudo é tão perfeito que parece um cenário artificial, um conto de fadas. O fato de o protagonista ser um arquiteto que decide cometer suicídio no motel que projetou em estilo norte-americano é outra ironia do filme?
Esse tipo de arquitetura estava muito em moda nos anos 1960. A América foi copiada e imitada pelos jovens arquitetos. O motel que vemos no filme realmente existiu. Eu achei as plantas do prédio, as que vemos nos créditos de abertura, e o reconstruí de forma idêntica no estúdio. Há também uma influência mútua entre a arquitetura suíça e a brasileira. Se Le Corbusier (arquiteto suíço) foi construir edifícios por aí, os jovens arquitetos suíços foram muito influenciados por Oscar Niemeyer.
Comente sobre a escolha dos nomes do trio central de personagens, todos carregados de simbolismo e também de ironia.
David Miller é um nome que eu usei em outro filme, chamado Low cost (2010). É um pouco o duplo do meu nome. David é meu nome do meio e Miller é um nome judeu muito cosmopolita. Ele pode ser tanto europeu quanto brasileiro. Esperanza é a promessa de que nada acabou. Que há sempre esperança. Ela é uma mulher que não acredita no fim. Treplev é um nome roubado de um personagem de Tchekhov em A gaivota. A última frase do filme também é uma réplica dessa peça. Foi um tributo à maneira como o dramaturgo russo construiu suas narrativas. Cada personagem representa seu tempo e sua condição social, mas sem nunca fazer política.
Cada um dos personagens principais de La vanité nasceu em um país diferente. O que isso significa no filme?
Isso é muito próprio da população suíça. Em Lausanne, 50% da população não é de origem suíça. Cada um tem uma relação diferente com a morte de acordo com sua história e sua cultura.
Por que você escolheu Carmen Maura para o papel de Esperanza?
Porque é uma grande atriz, capaz de ser engraçada e triste ao mesmo tempo. Ela tem uma enorme capacidade de fazer coisas absurdas sendo muito séria. Isso é algo que Almodóvar lhe pediu para fazer muitas vezes. Eu amo essa capacidade de interpretar tudo de maneira dramática, até mesmo as coisas engraçadas.
Como foi o trabalho no set?
Muito feliz. Carmen Maura estava encantada por estar cercada de homens, porque ela é uma grande sedutora. Eu nunca trabalho com uma assistente no set. Então Carmen me disse: "Ah, isso é ótimo, assim não haverá nenhuma mulher entre você e eu!".