Lupi da Ilhota. Da boemia. Do futebol. Do Carnaval. Dos amigos. Da família. Da dor de cotovelo. Sobretudo, da música. O visitante que adentrar o grande hall do Farol Santander Porto Alegre a partir desta terça-feira (18) irá deparar não só com a história, mas também com múltiplas facetas e recortes da vida de Lupicínio Rodrigues (1914-1974). Irá ainda vislumbrar a reinvenção de um dos maiores compositores que já surgiram no Brasil. E perceber que a obra dele é universal e atemporal.
Com curadoria de Carlos Gerbase, consultoria artística de Lupicínio Rodrigues Filho e consultoria musical de Arthur de Faria, a exposição Lupi: Pode Entrar que a Casa É Tua estará em cartaz até 23 de julho (veja detalhes ao final do texto). A mostra reúne cerca de 150 fotos e 70 objetos do músico (que vão de roupas e artigos de higiene e manicure até bilhetes trocados), com muito material inédito ao público, além de um vasto acervo audiovisual que apresenta interpretações de Lupi em sua própria voz e na de outros artistas — como Gilberto Gil, Caetano Veloso, Elza Soares, Dircinha Batista e Francisco Alves.
A exposição é dividida em 13 seções. Quem acessá-la pela porta principal do Farol encontrará painéis apresentando a linha do tempo e as origens de Lupi, referenciando a Ilhota — bairro onde nasceu e viveu boa parte de sua vida, e que deu origem à Cidade Baixa. A seguir, uma seção narra o início da trajetória do músico com o samba e o Carnaval, contando com ilustração de Julia Hauser, responsável por quatro trabalhos na exposição.
Há uma seção chamada Vários Lupis, dedicada às diferentes facetas da vida do compositor, além da música: soldado do Exército, bedel na faculdade de Direito da UFRGS, cronista, boêmio, campeiro, viajante, marido, vaidoso e atuante na Sociedade de Autores, Compositores e Escritores de Música (SBACEM). Seu lado empresário também é enfatizado em uma parte da mostra.
Nem tudo foi felicidade: um episódio de racismo que Lupi sofreu em um restaurante é retratado em uma história em quadrinhos criada por Carlos Ferreira, que estampa um painel. Aliás, o projeto teve consultoria étnico-racial do Coletivo Pais Pretos Presentes.
A paixão de Lupi pelo futebol e, em especial, pelo Grêmio — cujo hino ele compôs — também ganharam atenção no projeto. O Tricolor cedeu imagens e objetos que vieram do museu do clube para a seção, que conta ainda com uma bandeira da Torcida Jovem, organizada gremista, homenageando o músico.
Pelo grande hall, há uma seção que apresenta vídeos de Lupi cantando suas próprias composições, mas também é possível ouvi-las em outras vozes. O visitante pode sintonizar sete grandes sucessos do músico em um rádio vintage. Há ainda uma instalação que forma uma espécie de constelação composta por 208 placas de rua azuis, que indicam nomes de artistas que gravaram Lupi e dimensionam o tamanho do reconhecimento da obra dele.
Outra seção da mostra que chamará atenção dos visitantes é o Bar. Trata-se de ambiente que recria um boteco da Porto Alegre da década de 1950, que contém um holograma de Lupi, interpretado pelo ator Álvaro RosaCosta, cantando Nervos de Aço e Vingança. Por ali, também há mesas contendo cardápios em suas superfícies, que descrevem os companheiros de vida boêmia do músico.
Fio condutor
Segundo Gerbase, seu plano era que a música fosse o fio condutor da exposição. No caso, expressar o quão poderosa é a música de Lupicínio.
— Fui cercando isso com outros elementos biográficos dele, mas sempre com a música como o mais importante — explica o curador. — Ele foi da SBACEM? Foi. Foi soldado? Foi. Foi chefe de família? Tudo isso ele foi. Mas, basicamente, ele foi um grande músico, um grande compositor. Isso era fundamental.
Aliás, uma amostra desse poder musical de Lupi pode ser observada na sala Lupi Reinventado, onde são exibidos cinco vídeos gravados ao vivo por cantoras da cena contemporânea gaúcha, interpretando sucessos do compositor. Com direção audiovisual de Cleverton Borges e contando com arranjos de Arthur de Faria, a seção traz a rapper Cristal cantando Nunca; a cantora Denizeli Cardoso com uma versão rock de Se Acaso Você Chegasse; Andréa Cavalheiro transformando Vingança em soul music; e, por fim, Nervos de Aço e Volta rearranjadas para o samba e samba-canção nas vozes de Glau Barros, Pâmela Amaro e Paola Kirst.
Gerbase destaca que esse espaço tem como função aproximar a obra de Lupi das novas gerações. É uma possibilidade também de dar uma nova roupagem aos velhos sucessos.
— Uma música da década de 1940 que poderia fazer sucesso hoje. É muito atemporal — afirma o curador. — Ele está falando de sentimentos humanos que não mudaram muito desde então. Ciúme, desejo de vingança, arrependimento, perdão, enfim, tudo isso continua valendo.
Para Lupicínio Rodrigues Filho, a obra de seu pai é atemporal porque fala sobre o espírito humano, que adveio da dor e do sofrimento que ele sentiu ou pelo qual passou.
— Era um grande cirurgião cósmico, pois conseguia dissecar a célula humana — define.
Lupicínio Rodrigues Filho ressalta que a exposição busca fazer sempre a ponte entre o passado da criação da obra de seu pai e o presente. Também há a finalidade de não deixar as composições de Lupi estagnadas, tornando-as permanentemente lembradas.
— A obra do pai precisa sempre de um combustível para andar mais, velejar mais, viajar mais nos aviões, fazendo com que o trabalho dele tenha fluidez dentro da sociedade — pontua.
Exposição "Lupi: Pode Entrar que a Casa É Tua"
- A partir desta terça-feira (18) até 23 de julho, no Farol Santander (Rua Sete de Setembro, 1.028, bairro Centro Histórico), em Porto Alegre.
- Horário de visitação: de terça a sábado, das 10h às 19h, e domingos, das 11h às 18h.
- Ingressos: R$ 17, disponíveis no Sympla.