"Bem interessante", "sem palavras", "vamos ter de voltar". Esses foram alguns dos comentários audíveis pelos espaços da Bienal do Mercosul no primeiro fim de semana da 13ª edição da megaexposição em Porto Alegre.
O evento não era realizado presencialmente desde 2018, e o reencontro com o público foi marcado pela interação com as obras, produzidas por cem artistas de mais de 20 países, espalhadas pela cidade. Com o tema Trauma, Sonho e Fuga, a edição deste ano reflete sobre o presente de um mundo marcado pela pandemia.
Na esplanada em frente à Usina do Gasômetro, um labirinto formado por dezenas de portas espelhadas atraía os olhares dos curiosos neste domingo (18). O local foi escolhido para receber a intervenção de arte urbana O Morador, de Gustavo Prado, que propõe uma reflexão sobre como as cidades estão organizadas e devem ser alteradas para atender às necessidades de seus habitantes.
A obra cria uma espécie de labirinto controlado, cujas portas podem ser abertas pelo público, podendo estar trancadas ou não, gerando um espaço em constante transformação. Alguns passavam batido pela instalação, rumo à orla do Guaíba; outros caminhavam rapidamente por entre a obra, abrindo as portas até chegar ao outro lado. Algumas pessoas questionavam se a estrutura integrava a Bienal. Contudo, os principais admiradores da obra eram crianças, que corriam pelo labirinto.
A esteticista Sahra Moura de Lima, 30 anos, de Porto Alegre, contornava a Orla a caminho dos espaços da Bienal, acompanhada de sua mãe e sua tia, quando deparou com a obra e decidiu explorá-la antes de seguirem seu rumo.
— Eu achei muito bom. Nos chamou atenção justamente porque o Gasômetro está fechado. A gente viu aqui e pensou: "ah, vamos dar uma olhadinha ali pra ver o que é". Mas já imaginei que fosse uma obra da Bienal mesmo, e já imaginei que fosse um labirinto. A gente até comentou: “bah, essas portas aí lá em casa iam ficar ótimas, né?” (risos). E bem chamou a atenção essa parte de moradia mesmo — afirmou.
Para Sahra, a obra representa as portas que abrimos e que geram mudanças em nossa vida. A esteticista conta que a família visita a Bienal todos os anos, influenciada pelo gosto pela arte — e sobretudo por sua mãe, que é formada em Artes Visuais.
A 13ª edição da Bienal, com entrada gratuita, está espalhada por 10 espaços culturais de Porto Alegre. No Farol Santander, que tradicionalmente recebe o evento e é um dos espaços mais tecnológicos deste ano, era nítido o envolvimento do público com as intervenções. Em meio ao espetáculo de luzes pulsantes da obra Pulse Topology, que reflete os batimentos cardíacos dos espectadores, era possível ver as luzes das telas dos celulares, cujas câmeras tentavam captar o brilho emitido pelas 3 mil lâmpadas. A instalação é um dos destaques do mexicano-canadense Rafael Lozano-Hemmerque.
As demais obras também atraíam o público, que aguardava em filas para poder interagir com os trabalhos em exposição — como Thermal Drift, uma espécie de espelho térmico que permite visualizar a dispersão do calor corporal à medida que o espectador se movimenta, gerando uma obra diferente para cada pessoa que se posicionar à frente dela. Os espectadores também se reuniam para ouvir as explicações sobre as instalações, além de sentar e contemplá-las.
O evento reúne público de todos os lugares, como a estudante de Medicina Luíza Ramos Colpo, 20 anos, de Passo Fundo, que aproveitou o feriado para vir à Capital e encontrou a exposição enquanto passeava com as amigas pelo Centro Histórico. Luíza nunca tinha frequentado a Bienal, mas ressaltou que pretende voltar:
— Primeiro, quando a gente chegou, a gente achou muito lindo, mas não estava entendendo muito bem o contexto. E aí, a gente viu aquela exposição ali do pulso, que tu coloca o pulso e vê as batidas, e a gente achou muito criativo. Depois, a gente viu que as obras estão relacionadas ao corpo humano, e aí a gente foi em uma sobre hormônios e eu achei bem interessante, porque faz muito sentido fazer uma coisa dessas, e ao mesmo tempo que é criativa, é bem inteligente.
A parada no Farol Santander foi a primeira antes de as amigas rumarem para outros espaços da Bienal. A estudante de Medicina conta que também gostou do tema deste ano:
— A pandemia criou muitos traumas. E muitas vezes as pessoas queriam ter uma fuga, mas a fuga para muitas pessoas foi a arte, foi o cinema, foi participar de coisas que a gente tinha acesso em casa. Mas a gente não podia, por exemplo, fugir de algum lugar e vir aqui, para algo relacionado com arte. Então, acho que é muito interessante esse tema.
Mergulho na experiência
Com um leque robusto de artistas, o Museu de Arte do Rio Grande do Sul (Margs) também cativou o público, que chegou a formar fila na porta para entrar.
Marcello Dantas, curador-geral desta edição da Bienal, avalia o primeiro fim de semana do evento como "maravilhoso" e ressalta que as filas também foram verificadas em outros espaços, como na Casa de Cultura Mario Quintana, onde uma experiência proposta pelo duo Mazenett Quiroga chegou a ter fila de espera de duas horas.
— A gente está vendo as pessoas saindo para a rua e nos espaços, todos com uma dose grande de interação entre as pessoas. Eu acho que foi excelente, com todas as palestras, todas as coisas vivas, e somando ainda o feriado, então tem uma frequência muito especial. É sinal de que as pessoas estão dispostas de verdade a mergulhar dentro desse tipo de experiência — avalia.
Dentro do Margs, casais, famílias e indivíduos procuravam sentir e experienciar as obras, tocando aquelas permitidas. As expressões dos espectadores que transitavam pelos ambientes refletiam, em alguns momentos, o esforço para compreender as mensagens das obras.
O arquiteto Lauro Poletto, 46 anos, morador de Porto Alegre, foi curtir a exposição com a esposa e as duas filhas. A família já tinha visitado outros espaços desta edição, como o Memorial do Rio Grande do Sul e o Farol Santander.
— É bacana, a gente tem a oportunidade de experimentar e ver as obras, interagir com algumas. Tem vários artistas, vários países, é sempre uma experiência — destaca Poletto.
A obra que mais impactou a família no Margs foi Seven Deaths, da sérvia Marina Abramovic, que apresenta intervenções imagéticas que exploram a dor e a violência. Outro destaque que capturou a atenção das meninas foi o espaço dedicado ao método terapêutico A Estruturação do Self, criado por Lygia Clark (1920-1988) — criando um ambiente que remete ao consultório-atelier onde Lygia realizava atendimentos. As luzes no Farol Santander também estão entre as obras que conquistaram os Poletto na Bienal. Porém, para o arquiteto, o que conta é o conjunto: vivenciar os espaços, curtir o roteiro, o passeio e a interação com os edifícios e com as obras.
O objetivo da família é ter o passaporte do evento todo carimbado. E a arte, por si só, é motivação suficiente para conferir as atrações da Bienal.
— Não precisa uma motivação a mais do que tu vivenciar uma experiência que é fora do teu dia a dia. Então a arte é isso, te transportar para um outro lugar ou trazer sensações diferentes, acho que não precisa mais do que isso para te motivar a sair de casa — resume.