A noite era de lua cheia naquele 28 de fevereiro, e uma jangada com três metros de altura foi lançada em chamas na Lagoa dos Barros, em Osório, no Litoral Norte. A simbologia daquele momento, que recriou uma antiga lenda da região, gerando novos significados em 2021, está na exposição Linhas Cruzadas, que abre as portas nesta terça-feira (11) na Fundação Força e Luz, antigo Centro Cultural CEEE Erico Verissimo, no centro da Capital.
A mostra é a primeira do espaço cultural sob este nome, em referência à nova administradora do local. A previsão é que haja uma nova identidade visual no segundo semestre. Em termos estruturais, não há mudanças. O prédio continua abrigando o Museu da Eletricidade do Rio Grande do Sul, o Memorial Erico Verissimo, o Auditório Barbosa Lessa e as salas multiuso.
Linhas Cruzadas é um projeto liderado por Lilian Maus, artista visual e professora do Instituto de Artes da UFRGS, que pesquisa o litoral norte gaúcho há mais de oito anos. Em fevereiro deste ano, ela participou da residência artística Casco, buscando explorar, em seu ateliê em Osório, as raízes da região. A jangada se apropria da lenda do navio iluminado, segundo a qual o filho do dono de um grande porto da região teria saído com seu barco e naufragado ao tentar transportar um cavalo.
— O fogo sob a embarcação tem uma série de significados. Acredita-se que vem da intenção de expurgar a peste, de uma tragédia, que o vento estaria espantando tudo isso — explica Lilian.
Junto com o barco, que foi montado com a ajuda dos artesãos locais Tadeu Marcelino e Paulinho Biru, a artista confeccionou outras 30 pequenas jangadas com a intenção de significar cada dia de um mês cheio. Elas também foram lançadas na lagoa e, como a embarcação principal, podem ser visitadas no espaço cultural. Metade dos mastros dessas unidades menores são dar cor preta, simbolizando o luto pelas vítimas da covid-19.
— Parte dos mastros têm cores variadas, mas também destacamos algumas com azul celeste, a cor da esperança, para que a gente acredite em dias melhores — complementa a artista.
A pesquisa de Lilian, norteada principalmente pelas origens da Estrada de Laguna, também busca discutir a importância dos carreteiros e as formas de desenvolvimento de energia da região. Por isso, ao passear pelos diferentes ambientes do espaço cultural, é possível deparar com trilhos de ferro, pinturas e esculturas que recriam diferentes aspectos históricos. Os ambientes têm aromas que ajudam o público a sentir a experiência com mais intensidade. Com lançamento previsto para setembro, um curta-metragem com direção de Biel Gomes mostrará como era o carregamento das jangadas a partir de Pedro Ávila, um dos últimos carreteiros da região.
— Acabamos fazendo uma sobreposição dos meios de transporte e do tempo para mostrar como a paisagem serve para nos colocar no mundo — explica Lilian.
Esculturas, pinturas e até trabalhos de arte com fotocopiadoras de escolas locais são lançados em meio a Linhas Cruzadas, que também tem uma preocupação com o desenvolvimento local. Os cataventos, que são apresentados com diferentes tamanhos, cores e perspectivas na mostra, remetem ao pedido de moradores por um redesenho das linhas eólicas que estão sendo colocadas ali. Eles gostariam que as torres de captação fossem colocadas nas zonas baixas, e não em cima dos morros, o que vem devastando a mata nativa.
— Queremos envolver o público de uma forma amorosa e chamar a atenção para uma região de uma força impressionante, que é onde o Estado nasce. A questão ambiental ali é urgente — reforça a artista.
Linhas Cruzadas, de Lilian Maus
- Live de abertura: nesta terça-feira (11), ao meio-dia, no Instagram
- Visita presencial: até 12 de junho, de terça a sexta, das 10h às 19h, na Fundação Força e Luz (Rua dos Andradas, 1.223), em Porto Alegre. A lotação é de seis pessoas por vez. Entrada franca. Visitas com mediação: de terça a sexta, das 14h às 18h, com agendamento pelo formulário disponível em link no perfil do Instagram