A exposição Ainda Anônimos, da artista visual Ana Flávia Garcia, foi aberta em 13 de março de 2020, uma sexta-feira, no Centro Cultural CEEE Erico Verissimo, em Porto Alegre. A previsão de ocupar o espaço por duas semanas acabou encontrando uma barreira: a pandemia de covid-19. Naquele mesmo final de semana, tudo começou a ser fechado na Capital e a mostra não conseguiu chegar perto de completar o seu ciclo: foram apenas três dias. Ana Flávia, pelo menos, conseguiu mostrar a sua arte. Outros contemplados pelos editais do local não tiveram essa oportunidade.
Com o avanço do contágio do coronavírus e protocolos de segurança que inviabilizavam a reabertura da casa, os artistas que conquistaram contrato para exibirem os seus trabalhos no centro cultural comandado, até então, pela CEEE, viram as suas exposições sendo adiadas constantemente. E foi assim por mais de um ano. Agora, a nova administração do espaço, a Fundação Força e Luz — que empresta o seu nome provisoriamente ao local —, decidiu cancelar todos os contratos com as mostras que ocupariam as salas e, sob novas diretrizes, abrir uma nova concorrência pública, que deverá ser lançada no segundo semestre deste ano para contemplar a ocupação de 2022.
Até lá, com as flexibilizações que foram permitidas — inclusive, agora, o lugar está aberto à visitação —, os espaços principais do centro cultural serão preenchidos por artistas convidados pela administração. Segundo a presidente da Fundação Força e Luz, Verônica Fernandez, o objetivo inicial, mesmo com uma reestruturação, era o de cumprir com os contratos firmados pela CEEE, mas o acúmulo gerado pelo tempo no qual o espaço ficou fechado acabou inviabilizando essa intenção e fazendo com que os termos expirassem: das 11 mostras programadas, apenas duas foram realizadas. Assim, a decisão visa trabalhar com pessoas que tenham preparado os seus trabalhos levando a pandemia em consideração e que estão cientes da instabilidade gerada pelo momento.
— Com isso, não se cria uma nova expectativa de ocupação que, caso não se concretizasse, devido a um novo decreto ou agravamento da pandemia, geraria um problema para o proponente, já que muitos artistas têm com suas obras uma relação de sustento, precisando, inclusive, de editais para desenvolvê-las. Tudo isso foi considerado na hora de tomarmos essa decisão de cancelarmos os contratos, que acreditamos ser melhor para todos — explica Verônica.
A presidente ressalta que a intenção é que, com esse novo edital, que será aberto no segundo semestre do ano, a casa volte ao seu antigo sistema de acolher e dar oportunidades para todos os artistas, principalmente os mais jovens. Sobre os cancelamentos, Verônica destaca que os profissionais que iriam expor no local foram devidamente avisados sobre a decisão e, para aqueles que estavam muito próximos de levarem os seus trabalhos para a fundação, foram oferecidos espaços alternativos na casa.
Frustração
O artista visual e tatuador Rafael Giovanoli iria expor pela primeira vez o seu trabalho em uma galeria de arte. A preparação para tal começou um ano antes da data prevista de sua mostra, que seria de 22 de abril a 23 de maio de 2020. Ele começou a emoldurar os seus principais desenhos e, além disso, a criar peças exclusivas para o evento que seria um dos pontos altos de sua carreira, dando a oportunidade das pessoas verem a tatuagem como arte. O gasto do artista para deixar a mostra Prelúdio perfeita girou em torno de R$ 10 mil.
— Essa exposição seria um episódio muito importante na minha vida. Preparei-me bastante para ela e sinto que essa decisão é uma falta de respeito. Eu estava com o contrato assinado e não me importaria de levar a minha arte para lá em 2022, mas não respeitaram o documento e nem me deram uma alternativa, simplesmente cancelaram. A frustração é grande — conta Giovanoli.
Para Ana Flávia, que ficou com a sua primeira exposição à mostra por apenas três dias, a surpresa de ver que o contrato havia expirado foi em dobro — quase, em triplo. Além de Ainda Anônimos, a artista teve outro trabalho seu contemplado para estar na Fundação Força e Luz, a partir de setembro, e outro que estava avançando nos processos para ocupar a sala O Arquipélago da estrutura ainda em 2020.
— Fiquei bastante chateada quando recebi o e-mail dizendo que as exposições haviam sido canceladas. Nós, artistas, recebemos muitos "nãos", mas receber um "sim" e, logo depois, um "não" é muito frustrante — enfatiza a artista.
Ana Flávia ainda destaca que a decisão da Fundação Força e Luz de convidar artistas para ocupar os seus espaços é curiosa:
— A lógica seria eles chamarem o pessoal que passou no edital, né?
Linhas Cruzadas
Desde terça-feira (11), a Fundação Força e Luz (Rua dos Andradas, 1.223), seguindo os protocolos de segurança determinados pelo governo estadual e municipal, está com as suas portas abertas. O local está recebendo, como exposição principal, a mostra Linhas Cruzadas, projeto da artista visual e professora do Instituto de Artes da UFRGS Lilian Maus. A visitação presencial, com lotação de seis pessoas por vez, poderá ser feita até 12 de junho, de terça a sexta-feira, sempre das 10h às 19h. A entrada é franca.