O pires sujo de café poderia ser resultado de algum acidente doméstico. Mas não: a mão firme do ilustrador Luís Paulo Stracioni, 29 anos, derrama o líquido deliberadamente sobre a louça. No lugar das tintas convencionais, o artista de Guaíba, na Região Metropolitana de Porto Alegre, carrega o pincel com a tradicional bebida.
— Se quero mais escuro, coloco bastante pó e depois fervo até ficar espesso. Nos tons claros, diluo o café com água — explica.
Ilustrador desde 2012, ele incorporou o café as suas pinturas há três anos, a partir de um imprevisto.
— Virei (o café) sobre um retrato e gostei da imagem que se formou. Postei nas redes sociais e fez sucesso. Foi um acidente que deu certo — brinca o artista.
No ateliê montado na garagem de casa, ilustrações em tons marrons decoram as paredes e a mesa próxima a seu cavalete. Analisando fotografias, o esboço é iniciado, a partir dos tons mais claros.
A criatividade ganha vida na sátira de obras históricas, como a Criação de Adão, afresco de Michelangelo pintado no teto da Capela Sistina há mais de meio século. Ao invés de tocar a mão do primeiro homem, Deus entrega a sua criatura uma xícara de café. John, Paul, George e Ringo deixam os instrumentos musicais de lado, na pose que encantou os beatlemaníacos, para equilibrar as alças das canecas. Na Santa Ceia, o vinho perde a preferência, em um milagre não registrado na Bíblia Sagrada.
Além de criar personagens para campanhas publicitárias, Stracioni mantém no seu espaço as obras criadas a partir de acrílico sobre tela, e inova também ao misturar tinta de aquarela e grafite, com café apenas nos acabamentos ou como plano de fundo. Há quem não acredite no que vê:
— Alguns duvidam que é café. Dizem que é tinta marrom.
O pintor estima ter hoje entre 70% e 80% dos trabalhos a base da bebida. Passou a receber encomendas de cafeterias, de indústrias cafeeiras e de amantes da arte. O convite para participar do programa Encontros, com Fátima Bernardes, rendeu fama. Até mesmo uma exposição nos Estados Unidos tem um quadro seu, cenário bem diferente do vivido por ele quando expunha seus trabalhos nas praças da cidade, como artista de rua. Com admiração, o guaibense expõe uma imagem do folclorista Paixão Côrtes — que, na tela, mantém-se agarrado ao chimarrão. Tiago Iorc, Salvador Dalí, Luis Fernando Verissimo, Elvis Presley, entre vários outros, completam sua galeria.
Após o processo inicial, o café precisa repousar sobre o papel. Por último, recebe verniz para não escorrer. Do início ao fim, pode levar até dois dias, dependendo da complexidade do que é ilustrado. O trabalho que por vezes é cansativo, se mostra recompensador.
— O café sempre foi meu companheiro, hoje é o meu companheiro no trabalho — finaliza.
Parte dos trabalhos do artista pode ser conferido neste site, na conta do artista no Facebook ou no Instagram.