O ilustrador Joe Shuster e o roteirista Jerry Siegel eram ainda muito jovens quando começaram a receber as primeiras respostas negativas das editoras a respeito do Superman, de acordo com o que foi retratado na graphic novel A História de Joe Shuster, de Julian Voloj e Thomas Campi. A inexperiência dos rapazes aliada ao anseio de ver sua criação publicada fez os dois venderem os direitos do personagem por meros US$ 130 dólares, em 1938 — em 2012, num leilão realizado pelo site ComicConnect, o cheque que eles receberam da editora foi arrematado por US$ 160 mil dólares.
O resto é história: 130 mil exemplares da primeira Action Comics vendidos e, até o final de 1939, 60 jornais publicavam tiras diárias ou dominicais do herói. Até então, as tirinhas de aventura se passavam em outros planetas, selvas afastadas ou épocas futuristas, deixando o ambiente realista para histórias detetivescas. O êxito do Superman foi justamente levar temáticas irreais para o cenário urbano. A graphic novel mostra, porém, como Shuster e Siegel se arrependeram do contrato firmado com sua editora. Quando foram demitidos, amargaram a pobreza e tiveram de travar uma batalha judicial para serem creditados por sua criação.
Tanto Campi quanto Voloj admitem não serem leitores assíduos de super-heróis.
— Estou interessado em histórias sobre pessoas normais. É por isso que eu quis tanto contar a vida de Joe Shuster e Jerry Siegel, pois é sobre amizade, paixão pela arte, ganância, sonhos — diz Campi.
As origens judaicas do Superman, como as comparações com o mito de Moisés e a ideia de um imigrante na Terra, não são muito exploradas na HQ.
— Essas interpretações são válidas, mas foram posteriores — explica Voloj. — Mesmo sabendo que Siegel e Shuster vinham de famílias de imigrantes judeus, esse traço não me parece ser uma motivação consciente na concepção do Superman. Ele é mais uma encarnação da América do que um herói judeu.
Relevância
Ivan Freitas, curador da exposição Quadrinhos — em cartaz no Museu da Imagem e do Som, em São Paulo, a partir de 14 de novembro —, comenta a importância do personagem para a história dessa mídia:
— A Action Comics número 1 foi um ponto de virada porque introduziu uma série de elementos que acabaram virando a base da indústria de quadrinhos e da forma como os super-heróis são representados. O collant, a cueca por cima da calça, o símbolo no peito, a capa eram uma repaginação de uma série de coisas que já existiam e culminaram naquela forma que eles criaram e que virou padrão — diz Freitas.
O Superman lutou contra os nazistas antes mesmo dos EUA entrarem na 2ª Guerra — em uma tirinha de 27 de fevereiro de 1940, antecipando a icônica capa da Marvel com o Capitão América desferindo um soco no rosto de Hitler no ano seguinte. Mas Ivan Freitas acredita que o personagem não conseguiu manter, ao longo das décadas, a mesma relevância.
— O mundo é mais cínico, ele talvez seja bonzinho demais para os dias de hoje. Mas foi fundamental.
Já Ivan Reis, o atual ilustrador do Superman na DC Comics, discorda:
— Ele nunca foi tão relevante quanto neste momento. O mundo é muito cíclico e está voltando a ser preto e branco, está se polarizando novamente. Ter uma figura como o Superman para representar uma ideia de justiça é fundamental nos dias de hoje.
Para Reis, o herói se tornou muito mais do que um mero personagem.
— É um símbolo. Não importa quem o carregue. Em um mundo onde todo mundo precisa de representação, não há uma figura única que represente todos. O foco hoje do Superman é representar todos, e ele só consegue isso por ter virado a ideia do que é certo, da compaixão.
Em A História de Joe Shuster, Voloj e Campi mostram também como os criadores do herói foram privados do reconhecimento que mereciam por sua criação — Shuster chegou a dormir na rua após perder o emprego como ilustrador. Foi apenas às vésperas do lançamento do filme do personagem, já nos anos 1970, que a situação financeira de Shuster e Siegel se tornou pública e a Warner Bros. decidiu pagar uma pensão vitalícia aos criadores. Como em uma boa história do Superman, triunfaram a verdade e a justiça.