Centenas de pessoas reuniram-se no centro de Porto Alegre nesta terça-feira para protestar contra o fechamento da exposição Queermuseu: Cartografias da Diferença na Arte Brasileira. A mostra, que ficaria em cartaz no Santander Cultural até 8 de outubro, foi encerrada antecipadamente no último domingo, depois que entidades religiosas e o Movimento Brasil Livre (MBL) acusaram algumas obras de fazer apologia da zoofilia e da pedofilia, além de blasfemar símbolos religiosos. A violência que já marcava a interação entre grupos pró e contra a mostra nas redes sociais transformou-se em um conflito com agressões físicas e o acionamento da tropa de choque da Brigada Militar.
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Batizado como Ato pela Liberdade de Expressão Artística/Contra LgbttFobia, o protesto organizado pela ONG Nuances e apoiado por diversas entidades começou por volta das 15h30min na Praça da Alfândega. Logo no início, um pequeno grupo a favor do fechamento da mostra fez provocações à multidão e, após vaias e agressões, foi levado para fora da praça por policiais militares.
Ao longo da tarde, o ato teve manifestações pacíficas contra o fechamento da mostra. Um grupo de jovens segurou cartazes e usou fitas de isolamento como mordaças na entrada do Santander Cultural.
O curador da exposição, Gaudêncio Fidelis, falou à imprensa:
– O Santander tinha plena consciência do que era a exposição desde o início. (O fechamento) Foi uma decisão intempestiva que não leva em consideração a democracia.
Álvaro Clark, presidente da associação cultural O Mundo de Lygia Clark e filho da importante artista, que morreu em 1988 e tinha obras em exibição no centro cultural, viajou a Porto alegre para participar do ato. Clark conseguiu autorização do Santander Cultural para retirar duas obras da artista da mostra e integrá-las no protesto. Assim, o público assistiu a performances de artistas vestindo as peças Cabeça Coletiva (1974) e O Eu e o Tu (1967). Álvaro deu apoio total ao curador:
– Aconteceu um ato de censura que não ocorria nesse país desde a ditadura militar – afirmou ele, que abriu mão do seguro das obras, de cerca de R$ 25 mil, para poder retirá-las do centro cultural.
Célio Golin, coordenador da ONG Nuances, organizou uma roda de pessoas na praça, dando a palavra a diversas personalidades ligadas a entidades e políticos. A ZH, Golin afirmou que a Nuances acionou o Ministério Público Federal pedindo que o Santander Cultural seja cobrado a dar explicações:
– Queremos que o Santander recue e abra a exposição. Fechar ela é legitimar uma visão conservadora que aumenta a vulnerabilidade social dos LGBT – disse Golin.
O grupo de teatro Ói Nóis Aqui Traveiz fez protesto com música e, ao final da tarde, as artistas Dri Kaz e Ligia Maia chamaram a atenção com a performance Obatalá, em que ficaram nuas, pintaram seus corpos com argila e foram embrulhadas em plástico.
Por volta das 18h, o grupo a favor do fechamento da exposição voltou ao local, dirigindo ofensas à multidão e gerando reações. Acionada, a tropa de choque da BM defendeu os manifestantes favoráveis ao fechamento da mostra, entre eles o youtuber Arthur Moledo do Val, do canal Mamãefalei, ligado ao MBL.
– Somos contra usar dinheiro público para esse tipo de exposição em que tem zoofilia, pedofilia, esse tipo de coisa – declarou o youtuber ao RBS Notícias, justificando sua presença no ato.
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A atidude da tropa irritou os outros manifestantes, que xingaram os policiais de "fascistas" e "covardes". A tropa, por sua vez, reagiu lançando bombas de efeito moral. Quando a maior parte dos manifestantes já havia dispersado, a PM prendeu dois homens. Ao deixar a praça, o tenente Claudiomiro Tavares afirmou que os homens foram detidos por desacato e que as bombas lacrimogêneas foram jogadas após agressão com pedras.
– Foi um uso moderado de força – defendeu o militar.
Conforme o comandante do 9º Batalhão de Polícia Militar (BPM), tenente-coronel Eduardo Amorim, os dois detidos foram liberados, ainda na noite desta terça-feira (12), após assinarem um termo circunstanciado por resistência e desobediência. Amorim informou que os dois foram abordados pois jogaram pedras contra os policiais. ZH não conseguiu entrar em contato com os detidos.
A repórter fotográfica de Zero Hora Isadora Neumann estava filmando as prisões quando um dos policiais se aproximou e lançou spray de pimenta em seu rosto. Assista ao vídeo: