Para encontrar matéria-prima para esculturas, o artista Mauri Valdir Menegotto, o Gotto, só precisa ir até o canteiro de obras mais próximo. Há milhares de anos, um derramamento vulcânico garantiu abundância de basalto no solo de Bento Gonçalves, onde o escultor vive. Aos finais de semana, seu passatempo é "caçar pedras".
– O basalto colorido fica embaixo da superfície, então, quando há detonações, surgem as pedras. Vou nas construções e peço, porque vai virar entulho mesmo – conta o artista, que prefere fazer as incursões em dias chuvosos. – A água mostra como as cores vão ficar depois do polimento. Agora descobri uma pedra que tem umas 30 cores só em um pedaço.
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O fascínio pelo material transparece nas esculturas da mostra Gotto – Águas de Pedra, em cartaz até 12 de março na Galeria Iberê Camargo do Margs (a visitação é sempre de terças a domingos; o Margs não é aberto às segundas-feiras). Esculpidas com economia de detalhes, as obras permitem que as estampas naturais das pedras chamem a atenção, com manchas, riscos e pontos coloridos. Estão à mostra 27 esculturas realizadas entre 2005 e 2016, em basalto cinza, negro, marrom e vermelho, entre outras cores. A curadoria é da colecionadora Beatriz Giovannini, que primeiro organizou a mostra em Bento Gonçalves e depois a transportou a Porto Alegre.
As obras passeiam por quatro temas: sementes, peixes, torsos e cabeças. Nas figuras humanas, aparece a dívida de Gotto com João Bez Batti, que lhe ensinou a esculpir. Quando tinha 15 anos, Gotto, hoje com 51, foi ajudante de Batti.
– Trabalhei com ele por 17 anos. Depois fui modelista numa fábrica de jaquetas, mas ficou um vazio. A escultura me chamava. Eu chegava em casa e esculpia. Fiquei de cinco a seis anos preparando a primeira individual, à noite e nos fins de semana. A experiência que tive com Batti me salvou. Vivo num bairro de periferia, vejo meus amigos perdidos, não se encontraram na vida. Eu estou feliz, e devo tudo a ele – diz Gotto.
A estreia se deu em 2013. Desde então, realizou sete individuais, incluindo a atual, que considera sua primeira na Capital, apesar de já ter exposto no Memorial do Ministério Público do RS.
Até hoje, Gotto repete o processo de criação que aprendeu com Bez Batti, por sua vez ensinado por Vasco Prado, que aprendeu com o italiano Marino Marini. Em vez de partir diretamente para o entalhe, primeiro desenha, faz um modelo no barro e uma maquete em gesso. Só depois vai atrás da pedra, que é estudada para que os matizes sejam harmonizados com a forma. Então trabalha o basalto com martelo, ponteiro, disco diamantado e lixas. A produção leva de 15 a 30 dias – em regime de oito horas por dia – no caso das esculturas que possuem entre 20cm e 50cm.
A maior parte das obras da exposição é formada por peixes – alguns sem olhos, outros sem boca. A ausência de detalhes destaca os padrões naturais da pedra, como as manchas laranjas e brancas sobre o marrom de Predador (2016).
– Não quero fazer uma fotografia de um peixe. Quero uma imagem que diga bastante, revele a pedra e a mensagem do movimento do peixe caçando, fugindo, sobrevivendo. Respeito muito a natureza, quero ressaltar a dignidade do animal – explica o artista.
Na opinião de Gotto, a diversidade dos peixes combina com a das cores do basalto. Outro tema que se presta a isso são as sementes, que atualmente o inspiram. Em uma dessas obras recentes, o artista conseguiu inclusive incorporar uma surpresa geológica.
– Tem uma obra com um xenolito. Quando houve o derramamento, o magma abraçou outra coisa que foi petrificada junto. Por isso chamo de Semente Transgênica.