Com a 11ª Bienal de Artes Visuais do Mercosul confirmada para 2018, o curador Alfons Hug começa a dar corpo ao evento. O crítico de arte alemão chegou a Porto Alegre na última sexta-feira para apresentar o projeto curatorial à imprensa, visitar ateliês, museus e galerias. Hug conhece bem a cidade: prestigiou todas as edições da Bienal do Mercosul, a exceção da primeira. Foi cocurador da quarta, em 2003 – uma das 20 bienais em seu currículo.
– Acredito muito no formato. O barato das bienais é que cada lugar cria um contexto. Assim, aprendi a respeitar os espaços, que são o ponto de partida para tudo. Você nunca pode trabalhar contra o lugar – afirma Hug em português fluente.
Depois de meses de suspense, a Fundação Bienal do Mercosul anunciou recentemente que a 11ª edição do evento pularia um ano e ocorreria entre 5 de abril e 4 de junho de 2018. O tema Triângulo do Atlântico refere-se a África, América e Europa – especificamente às conexões econômicas, políticas e culturais entre os continentes estabelecidas a partir do tráfico de escravos e das migrações. As populações de origem africana que estavam no centro desta dinâmica serão um dos focos da exposição.
Para Hug, a Bienal do Mercosul deve mirar além da região que leva no nome e já priorizou no passado. Planeja chamar entre 50 e 60 artistas. A lista tem nomes brasileiros – inclusive gaúchos –, da América do Sul, da Europa, dos EUA, do Caribe e da África. Adianta alguns: o escultor ganês El Anatsui, o carioca Arjan Martins, o paulistano Jaime Lauriano e o alemão Mario Pfeifer.
No projeto curatorial, os artistas são referidos como "os protagonistas dessa busca de vestígios transatlânticos". Caberia a eles colocar o dedo "nas feridas do Atlântico ao resgatar conflitos e distúrbios que surgem no choque entre diversas civilizações e camadas sociais". Achille Mbembe, filósofo e historiador de Camarões e importante pensador do pós-colonialismo, desponta como referência teórica para Hug, que cita o livro Crítica da Razão Negra.
Da África, o curador gostaria de trazer pelo menos 15 artistas de países como Nigéria, Angola, Congo, África do Sul, Camarões, Gana, Benim, Senegal e Marrocos.
– Acompanho a produção africana há mais de 20 anos e ela melhorou muito. Estou pensando em trazer artistas que trabalham com fotografia, instalação e escultura, que é o forte dos africanos neste momento, pintura nem tanto – detalha Hug. – O "shortlist" africano tem pelo menos 30 nomes, não vai ser possível trazer todos, até porque tudo na África é caro. Tudo é importado, e as poucas linhas aéreas que existem têm monopólio. A logística não é fácil.
Um desejo que pode esbarrar na falta de recursos é a montagem de um núcleo histórico com obras da coleção particular de arte nigeriana de Olufemi Akinsanya, dos séculos 18, 19 e 20. O orçamento inicial da 11ª Bienal é de R$ 3 milhões – inferior às edições de 2015 (R$ 7,7 milhões) e 2013 (R$ 12,4 milhões).
– É um número bem mais modesto do que as versões anteriores, mas bem mais realista. Se surgir mais verba posso ampliar a lista de artistas e investir mais em cada obra – destaca o curador.
Também mais modesto deve ser o tamanho da Bienal, que tem apenas três espaços confirmados: Santander, Margs e Memorial do RS. A Praça da Alfândega poderá ter atividades relacionadas a outras artes.
Para contornar as restrições orçamentárias, a Bienal deve recorrer a parcerias. A primeira é com o Instituto Goethe de Lagos, que em março de 2017 deve convidar um grupo de artistas a refletirem sobre o Triângulo do Atlântico. Outra estratégia é encomendar novos trabalhos:
– A ideia é comissionar várias obras, até para economizar no transporte internacional, que mata qualquer orçamento. Em vez de trazer uma caixa enorme, trazer o artista que constrói aqui. Sabendo que o risco é maior porque é uma obra que você não viu ainda. Tem que confiar 100%.
Há uma lista de lugares para onde os artistas poderão ser enviados: quilombos do Rio Grande do Sul; Cais do Valongo – antigo mercado de escravos no Rio de Janeiro; Museu da Marinha (Lisboa); ilha de Lampedusa (Itália), onde desembarcam refugiados africanos; Berlim – onde foi realizada a Conferência do Congo em 1885; o bairro brasileiro que existe no centro em Lagos e as fortalezas de escravos na África Ocidental.
Hug reconhece a dificuldade que os artistas poderão ter para abordar alguns assuntos:
– Isso tudo é totalmente político, mas cadê a arte? Quanto mais dramático o conteúdo, mais importante a forma. Se você manda alguém para Lampedusa, não basta colher material sobre os refugiados, tem que conceber uma forma convincente. Aí está o desafio.
Quem é o curador da 11ª Bienal do Mercosul
- Alfons Hug nasceu em Hochdorf, na Alemanha, em 1950. Atualmente dirige o Instituto Goethe de Lagos, na Nigéria. Já dirigiu braços do Goethe em Medellín, Brasília, Caracas, Rio de Janeiro e Moscou.
- Foi curador da Casa das Culturas do Mundo, em Berlim, e organizou mostras, como Arte Antiga da África, que itinerou pelo Centro Cultural Banco do Brasil de Rio, São Paulo e Brasília, em 2003 e 2004.
- Atuou em cerca de 20 bienais, incluindo as de Montevidéu (2012, 2014 e 2016), Dakar (1998) e a Bienal do Mercosul (2003). Assinou a curadoria-geral da Bienal de São Paulo em 2002 e 2004. Também foi curador dos pavilhões da América Latina (2011, 2013 e 2015) e do Brasil (2003 e 2005) na Bienal de Veneza.