Ângela Ravazzolo *
Corria o ano de 1920 quando José Lutzenberger (1882 – 1951) desembarcou em Porto Alegre para trabalhar. Deixou a Alemanha do pós-guerra para exercer a arquitetura do outro lado do mundo, e de fato deixou um legado significativo na paisagem da capital gaúcha – o Palácio do Comércio, o Pão dos Pobres, a Igreja São José. Mas há outro legado, não menos importante, que andava escondido na cidade e que agora está disponível: as aquarelas do artista Lutzenberger.
A exposição A Voz das Cores, em cartaz na Pinacoteca Ruben Berta, permite um passeio visual pelas ruas da cidade, por um namoro na roça e por uma conversa entre homens no galpão. As aquarelas reunidas em três salas do casarão da Duque de Caxias funcionam como uma oportunidade para Porto Alegre relembrar e homenagear um artista que se ocupou de entender e recriar o modo de viver e a história da região que escolheu para morar por três décadas.
Exposição "A voz das cores" resgata talento do arquiteto José Lutzenberger
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Embora de dimensões discretas, as obras são pontuadas por detalhes que desafiam até mesmo o olhar mais atento. Em uma delas, que retrata o Carnaval de 1947, o artista nos mostra um grupo de pessoas se esbaldando na rua, pés descalços, vizinhos espiando a festa pela janela, um cachorro no cantinho da imagem. Esses pormenores da aquarela confirmam a maestria de Lutzenberger, mas especialmente nos colocam diante da poesia daquele momento, construída por um olhar curioso e estrangeiro. Como os artistas viajantes que desembarcavam no Brasil nos tempos de colônia portuguesa, Lutzenberger também compôs a sua própria interpretação visual e artística do país que descobriu.
As descobertas do artista não se resumem a cenas urbanas. A própria viagem para o novo continente é tema de uma série de três aquarelas, que podem ser listadas entre as mais belas da exposição. Estão colocadas lado a lado as três imagens de um homem, compondo a história de um imigrante que deixa a terra natal, encontra um cenário natural difícil e diferente e, por fim, contempla a paisagem transformada pelo tempo.
Outra obra recria a saída da missa de domingo, a família toda a cavalo, em um cenário rural com a igrejinha ao fundo. São as criações de um artista que precisa ser relembrado, redescoberto e celebrado sempre que possível, para que a cidade não se esqueça dele e do que ele produziu. A amostra reunida na Pinacoteca é uma parte pequena de um acervo gigante, o que não é um problema, porque é bom saber que há mais personagens e paisagens de Lutzenberger para serem redescobertas no futuro.
Uma dica: pode ser bem interessante levar as crianças para visitar Lutzenberger. Elas vão gostar de utilizar as lupas disponíveis na exposição para investigar de perto os detalhes que o artista cuidadosamente espalhava pelas paisagens que retratava nesses trabalhos. Vale desafiar os pequenos propondo, como em um jogo de detetive, a procura pelas surpresas escondidas de um grande artista.
Inicialmente aberta à visitação pela manhã e à tarde, a exposição agora pode ser conferida pelo público a partir das 14h, de segundas a sextas, até 24 de fevereiro.
*Jornalista, professora da ESPM, autora de dissertação de mestrado ""Poesia e Precisão: As Aquarelas de José Lutzenberger como Representação da História e do Cotidiano".
A VOZ DAS CORES – AQUARELAS DE JOSÉ LUTZENBERGER
De segundas a sextas-feiras, das 14h às 18h.
Até 24 de fevereiro. Entrada franca.
Pinacoteca Ruben Berta (Rua Duque de Caxias, 973), centro de Porto Alegre.
Fone (51) 3289-8292.
A exposição: com cerca de 40 itens, entre desenhos, aquarelas e objetos, a mostra apresenta a obra artística do arquiteto José Lutzenberger (1882 – 1951).