Zoravia Bettiol ciceroneia o repórter e o fotógrafo de Zero Hora apresentando pacientemente cada uma das 41 obras da exposição que está aberta para visitação em seu estúdio, no bairro Vila Assunção, Zona Sul de Porto Alegre. Cada obra evoca uma lembrança de sua intensa vivência, uma reflexão sobre algum aspecto da vida e da arte ou um grito de protesto sobre a atualidade política do país. A artista explica que foi a "realidade" que a levou a criar a mostra chamada Opressão/libertação – O eterno confronto. São trabalhos de 1956 a 2016 nos quais a dicotomia aludida no título se materializa nos domínios comportamental, político, ecológico, mítico e religioso.
Conhecida por sua prolífica produção artística e pelo envolvimento com movimentos em defesa da democracia, do meio ambiente e de outras causas ("Acho que na maternidade eu já pertencia a algum grupo", diz ela), Zoravia está mais ocupada do que nunca. Mas o motivo é nobre: ela comemora 80 anos de vida e 60 anos de carreira. Está envolvida simultaneamente com duas exposições. Além da que foi aberta em seu estúdio, ganhará uma retrospectiva com cerca de 150 obras no Museu de Arte do Rio Grande do Sul (Margs) a partir do dia 25, com curadoria de Paula Ramos e Paulo Gomes. Com os dois projetos, a artista brinca que está em "prisão domiciliar consentida", mas nunca reclama do excesso de trabalho. Pelo contrário: a arte é o que parece dar sentido à sua vida. Será que uma artista reconhecida como ela ainda tem algo a aprender?
– Estou apenas iniciando, querido. E há surpresas todos os dias. Novidades, informações que qualquer ser humano pode te fornecer se tu és uma pessoa aberta, que gosta de gente. Falo muito, mas também sou uma ótima ouvinte. Tenho uma escuta que se interessa por ajudar – responde.
Zoravia tem uma fala doce e generosa, mas ao mesmo tempo contundente. Na série Brasil 2016, em exposição na mostra Opressão/libertação, ela criou obras em protesto contra o que considera retrocessos do governo Michel Temer. Os trabalhos têm títulos como O golpe veste toga, Parem de ameaçar o Prouni e Minha Casa, Minha Vida deve continuar.
– A crítica política é importante, mas sou contra a coisa panfletária, que diminui muito o valor artístico – esclarece.
Mas qualquer tentativa de apreender a produção da artista sob apenas um tema ou técnica está condenada ao fracasso. Se há algo que caracteriza sua carreira é a incansável postura de continuar tentando e experimentando, como destaca Paula Ramos. A exposição que será aberta no Margs terá como título Zoravia Bettiol – O lírico e o onírico. Paula explica os dois aspectos que movem a trajetória da artista:
– O que é o lírico? É o subjetivo, a coisa da poesia, essa questão muito pessoal, subjetiva. São os posicionamentos político, humanista, ético, ecológico. Também entra aí o aspecto da fantasia: Zoravia é atravessada pela poesia, pela literatura, pensando também as narrativas míticas. Por outro lado, há a questão do onírico, que é a coisa do sonho, de fazer o que der na telha dela. Ela se permite tentar, e esse é um aspecto interessante. Se tem uma ideia, um sonho ou uma fantasia, ela faz.
Entre os destaques da mostra que será aberta no Margs, estará uma série de quase 30 xilogravuras do início da carreira, criada no final dos anos 1950, ilustrando a lenda da Salamanca do Jarau como contada pelo escritor Simões Lopes Neto (1865 – 1916), cujo centenário de morte é lembrado neste ano. Paula explica que é a primeira vez que a série será exibida na íntegra. Também estarão à mostra estudos preparatórios para esses trabalhos.
Entre a arte e a vida, Zoravia acredita que temos o compromisso de ajudar o outro, o que chama de uma "obrigação prazerosa". Solidariedade é um de seus imperativos. Pensa que um artista não deve se interessar apenas por pessoas, e sim por todas as formas de vida, incluindo a animal e a vegetal, assim como a existência mineral. Para ela, devemos acima de tudo cuidar da riqueza do planeta. Se alguém acha que tudo isso a credencia para algum assento celestial, a artista tem um desejo diferente:
– Quero ir para o inferno, que é mais divertido. Nada de céu comigo. Meus amigos mais bacanas estão no inferno.
OPRESSÃO/LIBERTAÇÃO – O ETERNO CONFRONTO
Visitação de segunda a sexta-feira, das 10 às 17h. Até 17 de outubro.
Estúdio Zoravia Bettiol (Rua Dr. Possidônio da Cunha, 272, bairro Vila Assunção), fone (51) 3354-2456, em Porto Alegre. Entrada franca.
Visita guiada no próximo sábado (8/10), das 16h às 17h30min.
ZORAVIA BETTIOL – O LÍRICO E O ONÍRICO
Curadoria de Paula Ramos e Paulo Gomes.
Abertura dia 25 de outubro, às 18h30min. Visitação de 26 de outubro a 11 de dezembro, de terças a domingos, das 10h às 19h.
Museu de Arte do Rio Grande do Sul (Praça da Alfândega, s/nº), fone (51) 3227-2311, em Porto Alegre. Entrada franca.