Ela era devota de São Francisco e atribuía a pouca ajuda dada à causa que defendia ao fato de não ser uma “patronesse”, e sim uma “cachorresse”. Palmira Gobbi Dias, porto-alegrense nascida em 1909, foi uma pioneira da luta em favor dos animais, numa época em que ninguém falava em mundo pet ou vegano; maltratar cães, gatos e cavalos não causava assombro como hoje.
Ela herdou dos pais – o italiano Virgílio e a espanhola Dolores – não só o temperamento forte e combativo, mas também o gosto pela música. Eles chegaram a matricular a criança em aulas de teoria musical, solfejo, piano e acordeom. Mas, por volta de oito anos de idade, o destino foi traçado: ao ver um homem agredir um cãozinho na rua, Palmira jurou que dedicaria a vida à defesa dos animais. E cumpriu.
Junto a outros idealistas, fundou a Arpa (Associação Rio-Grandense de Proteção aos Animais) em 13 de maio de 1949, em uma sala do Mercado Público. Em seguida, conseguiu a cessão de um terreno na Cabo Rocha (como era conhecida a Rua Freitas de Castro, no bairro Azenha) para construir a sede da entidade, que presidiu até morrer, em novembro de 1979. No local, implantou um pequeno hospital veterinário, que fazia curativos, fornecia medicamentos e promovia cirurgias em nível ambulatorial.
Figura carismática, Palmira ganhou popularidade a ponto de arregimentar um punhado de “fiscais da defesa dos animais”, com direito a carteiras expedidas pela Polícia Civil, com base no Decreto-Lei nº 24.645, assinado por Getúlio Vargas em 1934, cujo artigo 1º sentencia: “Todos os animais existentes no país são tutelados do Estado” (a legislação especifica o que são maus-tratos e estabelece sanções que vão de multa a prisão de dois a 15 dias). Os “fiscais” estavam autorizados a encaminhar infratores à delegacia, com ajuda de policiais, para que respondessem por seus crimes.
Com fama de braba, Palmira enfrentou perrengues, como na vez em que teve o carro cercado por desconhecidos, em São Leopoldo. Ela estava sozinha, mas não titubeou. Desceu do automóvel com a mão na bolsa, fingindo que ia puxar um revólver. Os homens que a ameaçavam saíram correndo. Há relatos de que, ao surpreender algum carroceiro espancando o cavalo, Palmira retirava-lhe o relho da mão: “Gosta de bater? Então, seja homem e venha experimentar!”.
Já naquele tempo, sabia usar como poucos os meios de comunicação para mobilizar a opinião pública. Uma vez por ano, fazia uma grande fogueira com relhos, chicotes, paus e ferros apreendidos pela Arpa. Não sem antes, é claro, chamar a imprensa para que o ritual ganhasse o máximo de divulgação. Além disso, era frequentadora assídua de programas de rádio, principalmente os de apelo popular, em emissoras como Gaúcha, Itaí e Princesa. A autenticidade e a irreverência da personagem cativavam a audiência.
Agora, a historiadora Elenita Malta Pereira, da Universidade Federal de Rondonópolis, no Mato Grosso, está em busca de documentos, testemunhos e outras informações para compor a biografia de Palmira Gobbi. Gaúcha de São Lourenço do Sul, Elenita é autora dos livros Roessler – O homem que amava a natureza (com a trajetória de Henrique Luiz Roessler, que combateu as contravenções de caça, pesca e desmatamento no Vale do Rio dos Sinos) e José Lutzenberger: Um ambientalista global. “Um aspecto que diferencia Palmira é o fato de ser uma mulher. Se hoje o mundo ainda é machista, imagina naquela época”, comenta Elenita. Quem tiver como ajudá-la pode enviar informação para o e-mail elenitamalta@gmail.com.