Uma das mais famosas lendas urbanas da Capital, os crimes da Rua do Arvoredo agora serão recontados a partir da perspectiva de uma mulher – Catharina Paulsen, companheira de José Ramos, um dos primeiros serial killers de que se tem notícia no Brasil. Nos anos de 1863 e 1864, Ramos teria degolado e esquartejado as suas vítimas para que os restos mortais fossem vendidos como linguiça para a alta sociedade porto-alegrense. A proposta de recriar a história sob uma ótica feminista é do curta-metragem Histórias de Catharina Paulsen – O Café, em fase de pós-produção para ser inscrito no Fantaspoa (Festival Internacional de Cinema Fantástico de Porto Alegre), agendado para abril deste ano.
De origem húngara ou alemã, não se sabe ao certo, Catharina se radicou na Capital em 1857, aos 20 anos, depois que a família foi assassinada e ela estuprada na aldeia onde vivia, na Transilvânia (hoje parte do território da Romênia). Solitária e sem saber falar português, envolveu-se com Ramos, ao que se diz, um policial de barba rala e extraordinária força física, que circulava exageradamente perfumado. Insuspeito, frequentava a missa e era visto assistindo a óperas na plateia do recém-inaugurado Theatro São Pedro.
Conforme a lenda, Catharina teria sido cúmplice de Ramos ao atrair as vítimas, a partir de encontros fugazes no Beco da Ópera (hoje, Rua Uruguai), até o sobrado do casal na Rua do Arvoredo (hoje, Fernando Machado). Ali, elas eram mortas e retalhadas antes de virarem linguiça comercializada no açougue do alemão Carlos Claussner, na Rua da Ponte (atual Riachuelo), atrás da Igreja das Dores. Era comum que, após a missa, as senhoras mandassem os escravos fazer compras no estabelecimento. Quando desistiu da trama para migrar para o Uruguai, o cúmplice alemão teria sido assassinado por Ramos.
Os crimes foram descobertos em 18 de abril de 1864, dia em que pedaços dos cadáveres do próprio Claussner e de um taverneiro e seu caixeiro foram encontrados no casarão da Rua do Arvoredo. As duas últimas vítimas haviam sido vistas nas proximidades da casa antes de desaparecerem da noite para o dia, o que despertou suspeitas dos vizinhos. Por essas mortes, Ramos foi condenado à forca, sentença depois transformada em prisão perpétua, ao passo que Catharina recebeu pena de 13 anos de cadeia.
Para Daniela Pregardier, diretora (com Diana Mesquita e Charles Chu) e produtora- executiva do curta-metragem, a leitura histórica do episódio é machista, especialmente quando atribui a Catharina o papel de seduzir as vítimas. Além disso, após a prisão, Catharina revelou os demais assassinatos, justamente das pessoas cujos pedaços de corpos teriam sido vendidos no açougue, mas esses não foram levados em consideração no julgamento. Estavam relatados também nos diários da mulher, que sumiram sem deixar vestígios, o que só fez aumentar o mistério. Não por coincidência, é a parte que se transformou em lenda.
– Se tivessem sido denunciados por um homem, teriam virado lenda? A proposta é dar voz a essa mulher, que falou a verdade e foi desacreditada – afirma Daniela.
Catharina morreu em 1891, tida como louca e enterrada como indigente. O curta é uma realização do Coletivo Cine RS e conta no elenco com Cândida Vitória, Ana Spohr e Vini Contessa. O músico e pesquisador André Hernandez Neto (dono do Café Mal-Assombrado POA, na Rua Fernando Machado) colabora como consultor do roteiro.