“Foi no cenário das últimas décadas do século 19 que começaram a chegar as primeiras levas de jovens sírios, libaneses e palestinos ao Rio Grande do Sul. A maior parte deles, depois de certo tempo comerciando de maneira ambulante (mascateando), estabeleceu-se nas maiores cidades, a maioria com loja de miudezas, armarinhos ou tecidos. A chegada deles coincidiu com uma boa fase da indústria saladeira (charqueadas) no Sul, com o desenvolvimento comercial e industrial da Capital e também com a instalação das chamadas ‘colônias novas’, os novos núcleos de colonização, públicos ou particulares, implantados em áreas não exploradas ao norte e noroeste do Estado. De acordo com dados da década de 1940, apesar da grande mobilidade apresentada, do total desses quase 2 mil imigrantes, uma parcela aproximada de cerca de 20% se espalhou pelo Interior. Há registros, contudo, da fixação, com efetivos bem menores, de sírios e libaneses em centros urbanos importantes: Pelotas, 184 registros; Rio Grande, 153; Santa Maria, 133; Alegrete, 118; Uruguaiana, 116; Passo Fundo, 115; Bagé, 113; Canoas, 80. Tudo indica que a imigração árabe no Rio Grande do Sul foi um fenômeno concentrado principalmente em áreas urbanas do Estado.
No início do século 20, o ramo de miudezas era uma opção realista e viável para os imigrantes árabes que começaram a vida na mascateação, pois, mesmo sem capital inicial, o mascate conseguia adquirir mercadorias em regime de consignação. O risco do negócio era baixo e as mercadorias, miúdas e leves, eram fáceis de transportar, bastando uma mala para acomodá-las. Contudo, à medida que o século 20 foi avançando, os imigrantes sírios e libaneses começaram a abandonar a mascateação para se estabelecer com lojas comerciais. Nessa fase, o segmento de tecidos e armarinhos cresceu de forma significativa, principalmente nos redutos árabes das ruas Andrade Neves e Voluntários da Pátria, no centro da Capital. Em Porto Alegre, imigrantes sírios e libaneses organizaram uma pequena rede de comércio que logrou êxito e permitiu que eles mantivessem, em geral, um bom padrão de vida. Ivo Nesrallá, filho de um imigrante que veio do Líbano para Porto Alegre com o irmão, no início do século 20, nos conta que seu pai foi mascate mas, depois, juntou capital e abriu uma “pequena lojinha no centro de Porto Alegre e foi progredindo”. Habilidoso nos negócios, o pai do cirurgião logrou educar seus filhos no Colégio do Rosário, uma das melhores instituições de ensino da Capital. Ivo Nesrallá confessa: ‘Eu via os vendedores mostrando a mercadoria e ficava fascinado. Costumo dizer à minha mulher que, se não fosse cirurgião cardíaco, eu seria vendedor de tecidos!’. Mesmo que acanhada frente à participação de outros grupos étnicos, como italianos e alemães, no progresso da Capital, a contribuição de sírios e libaneses foi relevante. Graças a esta participação, e também à opção deles por um ramo de negócios específico, eles conseguiram angariar certa proeminência e credibilidade no mercado.”
O texto acima faz parte do interessante trabalho acadêmico de doutorado de Júlio Bittencourt Francisco, professor de Museologia da Faculdade de Biblioteconomia e Comunicação da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (Fabico/UFRGS). Na internet, na Amazon.com, pode ser encontrado (em português) pelo título da tese: Dos Cedros aos Pampas: imigração sírio-libanesa no Rio Grande do Sul, identidade e assimilação (1890-1949).
Lamentavelmente, nenhuma editora local publicou, ainda, a obra. Em breve, voltaremos ao assunto.